19.1 C
São Paulo
quinta-feira, 24 de abril de 2025

Quando a Humanidade Falha no Jaleco Branco

Tem coisa que a gente lê e precisa reler. Não é por dúvida, é por incredulidade mesmo. O caso das estudantes de medicina que ironizaram uma paciente transplantada em vídeo no TikTok é daqueles episódios que fazem a gente perder o chão e, principalmente, a esperança no que deveria ser o futuro da medicina. Uma tragédia ética disfarçada de “conteúdo”.

É horroroso. E mais do que isso: é sintomático.

Sintomático de um ensino médico que anda focado em aprovação no Revalida, mas esquece de ensinar o básico — o absolutamente inegociável: a bioética. A ética. O respeito. O cuidado. O silêncio reverente diante da dor alheia. Quando estudantes zombam de uma história de superação como a da Vitória, que sobreviveu a três transplantes de coração e ainda sonhava em ser médica, não estamos diante de um erro de percurso. Estamos diante de uma falência de base.

O episódio me lembrou uma daquelas frases que a gente escuta nos corredores hospitalares: “No meu plantão ninguém morre.” Pois é. Mas tem coisa que morre, sim. Morre o senso. Morre a empatia. Morre a noção de humanidade.

E se engana quem pensa que isso foi um ponto fora da curva. Na pandemia, vimos pacientes sendo filmados ao sair da UTI, balões e aplausos na porta, celulares registrando tudo “pra comemorar”. A boa intenção não anula a infração. O que falta — e muito — é clareza de que não se pode expor pacientes em hipótese alguma. Nem no sofrimento, nem na vitória. É a regra. E não é nova.

Por isso, essa é uma discussão que precisa urgentemente voltar à pauta. Bioética não é uma aula optativa. É o alicerce da saúde. E quem não entende isso, não está pronto pra cuidar de ninguém.

Que esse caso nos envergonhe o suficiente para mudar o rumo. Porque, do jeito que está, a medicina corre o risco de virar espetáculo. E o paciente, mais uma vez, é quem paga o ingresso — com a dignidade.

Por:

Willians Fiori é um especialista brasileiro em longevidade e inovação em saúde, com atuação desde 2003. É membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, da Sociedade Brasileira de Gerontotecnologia e da Associação Brasileira de Telemedicina e Telesaúde. Atua como professor em cursos de pós-graduação no Hospital Israelita Albert Einstein, abordando temas como gerontologia, geriatria, gestão de ILPIs, mercado de saúde e uso de inteligência artificial na saúde.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio