Mesmo sem resposta física, parte dos pacientes em coma pode reagir a estímulos sonoros
Por muito tempo, acreditou-se que o coma representava um estado completo de desligamento do mundo externo. Mas pesquisas recentes têm mostrado que, mesmo quando o corpo não se movimenta e os olhos permanecem fechados, a atividade cerebral pode estar funcionando de maneira surpreendente.
Esse novo entendimento muda completamente a forma como encaramos o estado de inconsciência. O que antes era visto como um silêncio absoluto agora começa a ser interpretado como um campo sutil de comunicação — onde vozes, sons e músicas podem ter mais impacto do que se imaginava.
A ciência revela: o cérebro continua ouvindo
Entre os avanços mais interessantes está um estudo sobre pacientes em coma que utilizou exames como eletroencefalograma e ressonância magnética funcional. Esses testes permitiram observar o comportamento cerebral de pessoas aparentemente inconscientes diante de diferentes estímulos sonoros.
Os resultados surpreenderam os pesquisadores: em alguns casos, o cérebro demonstrou reações específicas a frases lógicas e ilógicas. Por exemplo, ao ouvir frases como “o bebê chorou por estar com fome”, o cérebro mantinha uma atividade estável. Já diante de sentenças sem sentido, como “o bebê chorou por estar com sapato”, ondas cerebrais diferentes eram ativadas — indicando que havia compreensão sem resposta motora.
Quando o silêncio não é vazio
O dado mais impactante é que cerca de 20% dos pacientes em coma apresentaram respostas cerebrais significativas a esse tipo de estímulo. Embora isso não signifique consciência plena, como no estado desperto, aponta para a existência de uma percepção parcial, que pode ser mais comum do que se pensava.
Essas descobertas sugerem que o silêncio aparente de um paciente pode esconder algum grau de processamento sensorial. Isso reforça a importância de se cuidar do ambiente hospitalar e do tipo de interação feita ao lado de alguém em coma.
Vozes familiares fazem diferença?
A presença de familiares e amigos junto ao leito nunca foi descartada pelos profissionais de saúde, mas agora ela ganha novo sentido. O estudo indica que vozes conhecidas e sons com valor afetivo podem ativar regiões cerebrais específicas. Isso significa que uma música preferida, uma história já ouvida ou até mesmo uma simples conversa do dia a dia pode funcionar como um ponto de contato com a consciência adormecida.
Mesmo sem garantir recuperação, esses estímulos podem ajudar a manter conexões neuronais ativas — o que pode influenciar diretamente a chance de retorno do paciente a um estado mais responsivo.
Reavaliando práticas hospitalares
Com esses dados, equipes médicas e de enfermagem passam a olhar com mais atenção para o papel da comunicação em unidades de terapia intensiva. Palavras ditas ao lado do leito, por mais que pareçam não ser ouvidas, podem estar sendo processadas. Da mesma forma, discussões ou comentários negativos também merecem cuidado.
A recomendação de muitos especialistas é simples: tratar o paciente como alguém que ouve. Isso envolve chamar pelo nome, explicar os procedimentos mesmo que ele não responda, e manter um clima de respeito e acolhimento constante.
Estados de consciência são mais complexos do que se pensava
Outro ponto levantado pelas pesquisas é a necessidade de se repensar os modelos tradicionais que classificam os níveis de consciência. O estado de coma não é, necessariamente, ausência total de percepção. Há variações entre o coma profundo, o estado vegetativo e o estado minimamente consciente.
Em alguns casos, inclusive, há registro de consciência preservada sem resposta física, uma condição chamada de “locked-in syndrome”, na qual o paciente está consciente, mas incapaz de se comunicar. Diagnosticar essas situações exige exames neurológicos mais precisos do que simples testes motores ou reflexos.
Um cuidado que vai além da medicina
Saber que o paciente pode estar escutando mesmo durante o coma muda a postura dos que o rodeiam. Muitos familiares relatam que continuaram conversando, contando histórias ou colocando músicas mesmo sem ter certeza se estavam sendo ouvidos — e, depois do despertar, alguns pacientes relataram lembranças vagas desses momentos.
Essa percepção reforça uma ideia valiosa: a escuta, mesmo sem resposta, pode ser uma forma de presença. Um elo entre quem está ali por fora e quem, por dentro, talvez esteja tentando encontrar o caminho de volta.
Pequenos gestos que mantêm a conexão
Em situações tão delicadas, nenhum esforço é pequeno. Levar um som conhecido, repetir o nome do paciente com frequência, contar como está a rotina da casa ou ler um livro preferido são atitudes que fazem sentido à luz dessas descobertas. Não se trata de criar expectativa, mas de oferecer estímulos que respeitam e acolhem — mesmo no silêncio.
O que antes era visto apenas como esperança agora encontra respaldo na ciência. E se há algo que esse estudo sobre pacientes em coma nos ensina, é que o cérebro humano continua sendo uma caixinha de surpresas — e, muitas vezes, uma palavra dita com carinho pode atravessar mais barreiras do que se imagina.
Autor:
Henrique Morgani