Os pais telefonaram avisando que o trânsito na estrada está péssimo. Prometeram pagar em dobro se a babá cuidar do pequeno Eugênio, o Geninho, 11 anos, até eles retornarem, lá pelas onze da noite. Edna Mitte tem encontro no N.A. – Neuróticos Anônimos – e não quer faltar. Ela aceitou a oferta e resolveu levar o pirralho. Porém, advertiu-o severamente, não quanto aos depoimentos que ouvirá, mas para não abrir o bico com seus pais, se não o bicho vai pegar. As reuniões são tensas e ela precisa do trabalho.
- Será que ele vai ficar traumatizado com tanta neurose? – perguntou Eva Lone, a coordenadora das sessões.
- Que nada – retrucou Edna Mitte. Toda tarde a gente assiste terror na TV.
- Tem filmes de terror na TV à tarde?
- Filmes, não. Ele curte TV Justiça e TV Senado. É puro terror!
A babá é muito explosiva. Sentou-se com os demais membros e Eugênio ficou junto à mesa de café, bolos e sucos. No grupo tem tantas neuroses histéricas, fóbicas e obsessivas, que Hitchcock ficaria arrepiado! O garoto não sabe quem foi Hitchcock. O maior mestre de suspense que conheceu na vida é o prof. Ary Timéttica, de matemática.
Eva Lone conferiu as presenças. Dismar Kaddo tem trauma com compromissos e nunca aparece. Vive ocupado sendo infeliz. Eddy Zastre pagou a anuidade antecipada, mas é pessimista e não vai às reuniões porque acha que não servem para nada. A coordenadora iniciou os trabalhos às 19h lembrando as regras: fala um de cada vez; ninguém julga; o que se ouve no grupo, fica no grupo e adeus com acenos!
Começaram os depoimentos. Nando Solo tem demofobia e participa pelo Zoom, com câmera e tela desligadas. Tem medo de aglomeração, não quer estar no grupo, ver o grupo e nem ser visto. Seiko Bulova tem obsessão por pontualidade e chega bem cedo, mas acompanha a reunião do banheiro, pois falar em público causa desarranjo intestinal. O cabeleireiro Eudes Penteado tem Obsessão GCP – Gordo, Careca e Pobre. Elisa Bet é apostadora compulsiva. O casamento dela acabou quando perdeu o marido numa aposta! Ermes Pião tem mania de perseguição e só anda com dois guarda-frentes. Não quer saber de guarda-costas, pois não gosta de gente o seguindo. A mensagem na sua caixa postal é: Como me encontrou? Se quiser, deixe recado, mas eu nunca escutarei.
O garoto acompanhou a reunião atentamente e fez anotações num caderno. Um caso mais escabroso que o outro. Marta, a viúva negra, tem trauma com violência doméstica e problemas com relacionamentos. Cinco ex-namorados sumiram ou suicidaram-se e dois ex-maridos tiveram mortes suspeitas. O filme Psicose foi inspirado em sua vida. Os boletos bancários assombram a vida de André Bitto.
- Bitto, você está calado hoje – cutucou a coordenadora.
- A cabeça dói. Mas logo passa.
- Ah. Tá. Mas fale com a Thais, da tesouraria. Você tem dois boletos vencidos.
A simples menção aos boletos fez André Bitto precisar da bomba de asma. Naná tem trauma com sonhos. Toda sessão ela relata um novo drama: já foi atacada com motosserra; atropelada por charrete; um míssil atingiu o banheiro durante os movimentos peristálticos e o intestino travou; ganhou um Marea Turbo na rifa etc. Não usa despertador porque ninguém merece ser acordado durante um pesadelo. Manu Bentes tem gamofobia, medo de casamento. Não gosta das reuniões, mas não falta porque teme enfrentar o noivo. Mia Kuda tem claustrofobia e acompanha as reuniões da praça, pelo celular. O salão do N. A. é pequeno.
Os participantes se despedem com acenos, pois muitos têm malaxofobia, medo de contato humano, como beijo, aperto de mão, abraço ou exame de próstata. Eles se vão e o drama da coordenadora começa: ela tem autofobia, medo de ficar sozinha. Tem 5 gatos, 2 cães e 1 papagaio que amenizam o drama, mas não resolvem.
Pouco antes de encerrar, Eva Lone lembrou-se do garoto, que comportou-se bem durante os trabalhos, e elogiou sua atitude:
- Parabéns, Geninho. Você se portou muito bem numa chata reunião de adultos.
- Obrigado, senhora. Aprendi muito.
- Vi que anotou tudo. Diga o que aprendeu.
- Certa vez eu li que uma em cada quatro pessoas tem algum tipo de transtorno psicológico.
- É verdade. E o que isso lhe diz?
- Devemos examinar as pessoas ao redor. Se três delas parecerem normais, então o doido é você!
- Que graça! Você tem algum medo ou trauma que queira compartilhar?
- Não senhora. Quer dizer, só tenho um grande trauma: o Mala Men.
- Quem é esse? Não conheço. É algum vilão dos filmes de super-heróis?
- Não, mas toda noite, quando meus pais rezam, eles terminam dizendo: “E livrai-nos do Mala Men!” Deve ser um cara do mal!
Muito cuidado com o Mala Men!
E vamos rir pra evitar ser um entre os quatro…
Mala Mem é do mal. KKK. Obrigado pelo comentário, Ita.