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quinta-feira, 24 de abril de 2025

Elon Musk e a venda do X para a xAI

A recente decisão de Elon Musk de vender (transferir) o controle do X (antigo Twitter) para a xAI, sua empresa de inteligência artificial, não é apenas mais um capítulo na saga de reestruturações corporativas do bilionário. Trata-se de um movimento calculado, com implicações financeiras, tecnológicas e éticas que podem redefinir o futuro da IA e do próprio ecossistema digital.  A operação, e a proposta de Musk, pode ser entendida a partir de três pilares centrais: a estratégia financeira de under holding, os desafios de gestão do X sob o comando de Musk, e o papel crucial dos dados da rede social no desenvolvimento da IA da xAI.

1. A estratégia financeira: valuation questionável e a lógica do under holding

A estratégia financeira adotada por Musk se baseia no conceito de under holding, que consiste em consolidar empresas sob uma holding controladora, possibilitando sinergias internas e valorações estratégicas. Ao transferir o X para a xAI, Musk estabelece valores referenciais para suas empresas: a xAI é avaliada em US$ 80 bilhões, enquanto o X, considerando uma dívida de US$ 12 bilhões, chega a US$ 45 bilhões. Esses números, porém, são alvo de ceticismo no mercado.

A valoração da xAI em quase o dobro do X reflete não apenas o potencial da inteligência artificial, mas também a prioridade de Musk em posicionar a empresa como líder tecnológica. Já a avaliação reduzida do X — inferior aos US$ 44 bilhões pagos em outubro de 2022 — sinaliza a admissão tácita da desvalorização acelerada sob sua gestão.

Analistas questionam se os critérios usados por Musk são compatíveis com os padrões de mercado. A transação interna, embora legal, pode enfrentar escrutínio regulatório, especialmente se for interpretada como manobra para inflacionar artificialmente o valor da xAI (improvável no momento, dada sua influência política durante o segundo mandato de Donald Trump).

A internet não ‘perdoou’ Musk e diversos memes foram criados, ilustrando o caso.

2. Os desafios de gestão: a queda do X e a gestão errática de Musk

Desde que Musk adquiriu o Twitter, a gestão da plataforma tem sido marcada por decisões polêmicas: demissões em massa, relaxamento na moderação de conteúdo e a introdução de assinaturas pagas.

O resultado foi a fuga de anunciantes — que representam cerca de 90% da receita — e a queda de no valor da empresa, que chegou perto dos 80% antes do novo valuation e incorporação pela xAI. A monetização, antes sustentada por publicidade, entrou em colapso após medidas como a reinserção de contas banidas por desinformação e um universo de polêmicas das mais distintas naturezas, o que afastou marcas preocupadas com reputação.

A tentativa de diversificar receitas por meio do X Premium (assinaturas para verificação) mostrou-se insuficiente. Além disso, Musk divide seu tempo com Tesla, SpaceX e outros projetos, e ainda se envolve na controversa gestão do DOGE, Departamento de Eficiência Governamental dos EUA, para o qual foi nomeado pelo presidente Donald Trump, defendendo visões alinhadas a setores ultraconservadores. Sua recente ação política sugere uma estratégia de influência, mas também levanta dúvidas sobre sua capacidade de administrar múltiplas frentes de forma eficaz.

Além disso, sua gestão no DOGE vem gerando críticas até entre os partidários de Trump e uma onda de repúdio a Musk nos EUA e em todo o planeta, que vem se materializando em protestos da população nas ruas e boicote a produtos ligados a Musk, como os veículos da Tesla.

3. A integração de dados e o futuro da xAI

O aspecto mais revolucionário da transação reside na integração dos dados do X com a xAI. Com acesso a bilhões de interações diárias — incluindo localização, preferências e comportamentos de usuários por meio do aplicativo instalado em celulares — a xAI pode alimentar seu chatbot Grok com informações absolutamente minuciosas em tempo real e volumes quase infinitos de dados.

Isso representa um diferencial inédito entre os modelos atuais de IA que estão na vanguarda dos usuários. Enquanto rivais como o ChatGPT dependem de dados estáticos ou menos dinâmicos, o Grok poderá analisar tendências sociais, humor coletivo e eventos globais à medida que ocorrerem, hipoteticamente em tempo real no futuro próximo. Isso não apenas melhora a precisão do modelo, mas também o torna valioso para aplicações em finanças, política, saúde e segurança, por exemplo. No entanto, a coleta massiva de dados levanta sérias preocupações éticas e regulatórias. Amparados pelo GDPR (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados), reguladores europeus já sinalizaram possíveis investigações, e usuários criticam a falta de transparência na utilização dessas informações.

O futuro do conglomerado Musk

A fusão entre X e xAI não ocorre em um vácuo regulatório. Autoridades antitruste dos EUA e da União Europeia podem questionar se a concentração de dados sob uma única empresa representa risco de monopólio digital. Além disso, a dívida de US$ 12 bilhões do X pressiona a xAI a gerar lucros rapidamente, o que pode acelerar a comercialização do Grok antes da realização de testes robustos.

Portanto, a venda do X para a xAI encapsula a ambição de Musk de liderar a revolução da inteligência artificial e demonstra parte de seu entendimento sobre esse business. Se, por um lado, a gestão conturbada do X revela suas fragilidades como administrador de redes sociais, por outro, sua visão de integrar dados sociais à IA é pioneira. O sucesso dependerá de sua capacidade de navegar pelos desafios regulatórios, recuperar a confiança de anunciantes e transformar o Grok em uma ferramenta não apenas inovadora, mas ética.

Enquanto o mercado especula sobre os valuations, uma coisa está clara: Musk está disposto a sacrificar o presente para moldar o futuro. Se a aposta der certo, a xAI poderá se tornar a espinha dorsal de uma nova internet, onde redes sociais e IA coexistem em simbiose. Extrapolando ainda mais, talvez de uma concentração sem precedentes de poder nas mãos de uma única pessoa, que controlará satélites, meios de transporte, comunicação entre as pessoas e muito mais. Se falhar, servirá como alerta sobre os limites da concentração de poder tecnológico. Se der certo… deixo com cada um de vocês a imaginação sobre que espécie de futuro poderá estar sendo agora construído.

Vejamos o que virá.

Autor:

Fernando Moulin é partner da Sponsorb, empresa boutique de business performance, professor e especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente e coautor dos best-sellers “Inquietos por natureza”, “Você brilha quando vive sua verdade” e “Foras da curva” (todos da Editora Gente, 2024). – E-mail: fernandomoulin@nbpress.com.br.

Sobre Fernando Moulin

Nascido em 1976, na cidade de Volta Redonda (RJ), Fernando Moulin é um dos principais especialistas brasileiros em transformação digital, inovação e gestão da experiência do cliente, além de ser um dos pioneiros do Marketing Digital/CRM no país. Graduado em Engenharia Química pela Unicamp, possui MBA Executivo Internacional pela FIA-USP e realizou cursos de marketing e negócios em diversas instituições internacionais, como Kellogg/NorthWestern (Estados Unidos), INSEAD (França), Cambridge (Reino Unido) e Lingnan University (China).  Eleito em 2022 para o Hall of Fame da Associação Brasileira de Dados (ABEMD), tem mais de 25 anos de experiência e passagens executivas em funções de liderança em grandes organizações, como Telefônica/Vivo, Cyrela, Nokia, Pão de Açúcar, Claro, Citibank, entre outras. Cofundador da Malbec Angels, mentor de startups e advisor estratégico, também é palestrante profissional e professor de disciplinas ligadas a suas áreas de expertise em instituições como ESPM, INSPER e Live University, além de ser colunista de diversos veículos importantes de mídia e jurado de premiações de mercado. Também é coautor das obras coletivas best-sellers “Inquietos por natureza”, organizada por João Kepler, “Você brilha quando vive sua verdade: transformando fragilidades em fortalezas”, organizada por Eduardo Shinyashiki e Kareemi, e “Foras da curva: construa resultados que falam por si próprios”, organizada por Luiz Fernando Garcia, todas publicadas pela Editora Gente. Atualmente, é partner da Sponsorb, empresa boutique de business performance. Para mais informações, acesse: www.fernandomoulin.com.br, www.linkedin.com/in/fernandomoulin/ ou veja a palestra no TEDxSP: https://www.youtube.com/watch?v=6tUJuZopcsA

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