O poder de um roteiro verossímil com uma boa consultoria técnica para o cinema
Poucas semanas após o lançamento do filme Conclave — vencedor do Oscar 2025 de Melhor Roteiro Adaptado — o mundo se despede do Papa Francisco. A coincidência entre a ficção e os acontecimentos reais é tão impactante quanto perturbadora. Não se trata de premonição, mas da força da arte ao espelhar os dilemas da humanidade, com uma precisão que, por vezes, parece profética.
No cinema, o roteiro de Conclave nos leva aos bastidores do Vaticano após a morte de um pontífice, revelando intrigas, disputas ideológicas e o peso da responsabilidade espiritual. Na realidade, o falecimento do Papa Francisco reacende debates semelhantes: quem herdará seu legado de reformas? A Igreja seguirá rumo à abertura e justiça social ou retrocederá às estruturas conservadoras que muitos julgavam superadas?
Essas coincidências não param por aí. Dias atrás, outra manchete causou estupefação: cientistas conseguiram “desextinguir” os lobos terríveis (dire wolves), espécie pré-histórica há muito desaparecida, por meio de técnicas de engenharia genética — algo que poderia ter saído diretamente do roteiro de Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (1993), baseado no livro homônimo de Michael Crichton.
A fronteira entre ficção e realidade tem se tornado cada vez mais tênue. Durante a pandemia de COVID-19, muitos lembraram do filme Contágio (2011), que antecipou com impressionante fidelidade os passos de uma pandemia global: origem zoonótica, propagação silenciosa, desinformação nas redes sociais, colapso dos sistemas de saúde e corrida pela vacina.
O tema da pedofilia no meio eclesiástico também não é novidade para o cinema. Diversos roteiros abordaram esse problema de forma direta — como em Spotlight (vencedor do Oscar de Melhor Filme em 2016) — demonstrando que essa realidade já estava amplamente exposta, e não era segredo guardado a sete chaves.
Conclaves são eventos reais e milenares. Intrigas políticas, mais ainda. O Poderoso Chefão – Parte III, de 1990, mostrou a corrupção enraizada no Banco do Vaticano — uma mancha que o próprio Papa Francisco se esforçou para combater com firmeza. Hoje, ao mesmo tempo em que lamentamos sua morte, também reconhecemos seu legado: combate à pedofilia, reforma da cúria, atenção aos pobres e migrantes. Um verdadeiro “roteiro” de coragem em meio a um cenário muitas vezes hostil.
Em meio às polêmicas da pandemia, ressurgiu nas redes sociais um suspense escrito por Dean Koontz: o livro Os Olhos da Escuridão (The Eyes of Darkness), de 1981. A obra, um romance de suspense envolvente dos anos 80, descreve uma arma biológica chamada “Wuhan-400”, criada em laboratórios de engenharia genética na cidade de Wuhan, na China. Embora puramente ficcional, a coincidência geográfica e temática com os acontecimentos reais acabou por suscitar teorias conspiratórias mundo afora. Imagine o impacto se um filme baseado nesse livro tivesse sido lançado antes da pandemia?
Esses exemplos reforçam uma lição fundamental para diretores de cinema e roteiristas: a importância de um roteiro verossímil, mesmo em obras ficcionais. O público percebe quando os eventos são forçados ou superficiais — e se conecta muito mais quando a história respeita uma lógica interna e um lastro na realidade. É nesse ponto que o trabalho dos consultores especializados — cientistas, médicos, historiadores, juristas, religiosos — torna-se essencial. São esses profissionais que trazem profundidade, autenticidade e coerência ao universo dramático. Sem eles, até mesmo a melhor ideia corre o risco de naufragar.
Talvez a arte não preveja o futuro. Mas quando ela é bem feita — com um roteiro sólido, consultoria competente e coerência intelectual — ela antecipa as perguntas certas. E talvez isso seja mais importante do que respostas definitivas.
Afinal, como diz uma frase atribuída a Albert Einstein: “Não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas”.
📚 Algumas obras e suas conexões com a realidade:
🎬 Filme – Contágio (2011) (Contagion)
Baseado em obra? ❌ Roteiro original
Conexão: Pandemia de COVID-19 (2020), com notável semelhança na origem, propagação e reação global.
🌪️ Filme – O Dia Depois de Amanhã (2004) (The Day After Tomorrow)
Baseado em obra? ❌ Inspirado em The Coming Global Superstorm
Conexão: Aumento de eventos climáticos extremos; estudos sobre colapso da corrente do Golfo.
⚠️ Filme – A Síndrome da China (1979) (The China Syndrome)
Baseado em obra? ❌ Roteiro original
Conexão: Acidente nuclear em Three Mile Island (EUA), 12 dias após o lançamento.
🛰️ Episódio de série – Os Pistoleiros Solitários (2001) (The Lone Gunmen)
Baseado em obra? ❌ Derivado de Arquivo X
Conexão: Episódio antecipou atentado de 11 de setembro com avião contra o World Trade Center.
🦖 Filme – Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (1993) (Jurassic Park)
Baseado em obra? ✅ Livro de Michael Crichton (1990)
Conexão: Pesquisas reais sobre “desextinção”, como no caso do “lobo terrível”.
⛪ Filme – Conclave (2024) (Conclave)
Baseado em obra? ✅ Livro de Robert Harris (2016)
Conexão: Morte do Papa Francisco (2025), semanas após o lançamento, com temas semelhantes.
📖 Livro – Os Olhos da Escuridão (1981) (The Eyes of Darkness)
Baseado em obra? ✅ Dean Koontz (“Leigh Nichols”)
Conexão: Citação a arma biológica “Wuhan-400”; ganhou notoriedade durante a pandemia de COVID-19.
🕵️ Filme – O Poderoso Chefão – Parte III (1990) (The Godfather Part III)
Baseado em obra? ✅ Inspirado livremente em eventos e estruturas reais
Conexão: Mostrou a corrupção no Banco do Vaticano, tema também enfrentado pelo Papa Francisco.
Autor:
Cello Gambler[i]
[i] Sobre o autor: Marcelo Carvalho-Bastos (ou Cello Gambler) é engenheiro químico, com MBA em Administração e Sistemas de Informação e especialização em Engenharia Sanitária e Ambiental. Atuou em projetos nas áreas de engenharia química, tecnologia da informação, biotecnologia e meio ambiente. Atualmente, dedica-se ao estudo e desenvolvimento de projetos em cinema e audiovisual, com foco em documentários, roteiros e edição de vídeo.