Em 2024, a imagem mais marcante foi a captura do foguete da SpaceX pelos braços robóticos da “Mechazilla” ao retornar à Terra. Esse feito, até então improvável, tornou-se metáfora da capacidade de ir além das limitações conhecidas, tanto na tecnologia quanto nos mercados financeiros. Mesmo diante do aperto monetário mais severo em décadas nos Estados Unidos, com curva de juros invertida e alta volatilidade de expectativas, a economia norte-americana surpreendeu: cresceu acima da tendência, criou empregos de forma consistente, levou o S&P 500 a uma alta de 25% e registrou expansão significativa dos lucros corporativos.
A entrada em 2025 demanda um olhar igualmente atento e dinâmico. A elevação dos múltiplos acionários nos EUA, a concentração do desempenho em empresas de mega capitalização e as incertezas sobre o plano de governo do presidente eleito Donald Trump formam um contexto complexo. No entanto, esse cenário não deve ser encarado com pessimismo, e sim como oportunidade de repensar e fortalecer a resiliência dos portfólios, mantendo-os prontos para enfrentar uma ampla gama de cenários.
Cenário Econômico: Em Busca do Equilíbrio
Nossa visão central é de um pouso suave na economia norte-americana em 2025, com crescimento próximo a 2% e inflação convergindo para a meta do Fed. Acreditamos em cortes graduais de juros, com o Fed funds rate convergindo para algo em torno de 3,25% ao final do ano.
No campo político, o equilíbrio será delicado: embora cortes de impostos e desregulamentação possam estimular setores domésticos e cíclicos, a imposição de tarifas e limites à imigração pode pressionar custos, afetando cadeias de suprimentos e, eventualmente, a inflação. Partimos da premissa de que o governo evitará medidas que provoquem descontentamento com novas altas de preços, mantendo as condições de negócio relativamente favoráveis à confiança empresarial e ao desempenho dos mercados de capitais.
Contexto Global: Divergências e Desafios
Fora dos EUA, o cenário é menos linear. Na Europa, a ameaça de tarifas e a falta de tração na Alemanha obrigam o BCE a agir, possivelmente reduzindo a taxa de depósito a 1,5% até o fim do ano, na tentativa de impulsionar a demanda interna. No Reino Unido, a combinação de fraca produtividade, restrições no mercado de trabalho e inflação elevada limita a margem de manobra do Banco da Inglaterra, dificultando cortes mais agressivos nos juros.
O Japão, por sua vez, segue um caminho distinto, apoiado por um ciclo mais estável de salários, inflação próxima de 2% e potencial de normalização gradual da política monetária. Isso abre espaço para taxas de juros nos níveis mais altos em décadas, reforçando a atratividade de alguns ativos locais.
A China encara obstáculos estruturais, desde pressões deflacionárias até tensões comerciais, sem sinais de políticas proativas que sustentem o consumo interno. O desafio de alcançar o crescimento de 4,5% é considerável. Tudo isso sugere cautela e seletividade ao explorar oportunidades nesses mercados, considerando a relação entre risco e retorno.
Mercado: Valuation Alto, Dólar Forte e Juros Longos no Radar
Três fatores centrais moldam as condições de investimento em 2025:
- Valuation Acionário Exigente nos EUA: Múltiplos elevados tornam o mercado vulnerável a surpresas negativas, exigindo análise criteriosa na seleção de ativos.
- Força do Dólar: Um dólar firme complica a vida de mercados emergentes e pode pressionar o retorno de ativos denominados em outras moedas.
- Rendimentos dos Treasuries: Juros acima de 4,5% no Treasury de 10 anos podem erosionar a vantagem histórica do “earnings yield” das ações sobre a renda fixa, incentivando uma postura mais equilibrada na alocação entre classes de ativos.
Três Temas para a Construção de Portfólios em 2025:
- Ajuste Fino nos EUA, Entre Estímulo e Riscos Políticos
A combinação de cortes de impostos e desregulamentação pode favorecer setores domésticos e cíclicos, bem como empresas de menor capitalização, que há tempos buscam recuperar espaço. É um contexto que abre margens para a atuação de gestores ativos, especialmente à medida que surgem oscilações ligadas à política comercial e migratória. Empresas que adotam IA para elevar eficiência em segmentos como indústria e saúde têm potencial de ganhos significativos de competitividade. Na renda fixa, a perspectiva de cortes mais fortes na ponta curta da curva favorece títulos de vencimento mais curto, enquanto spreads apertados limitam o potencial de high yield e investment grade tradicionais. Assim, encontrar alternativas em mercados emergentes, crédito privado ou instrumentos mais bem precificados passa a ser uma opção sensata. O câmbio exige moderação. Mesmo diante da força do dólar, não é recomendável assumir grandes apostas unidirecionais, dada a complexidade do cenário global. - Mercados Privados: O Motor da Diversificação e Crescimento de Longo Prazo
Com menos empresas abrindo capital e listagens ocorrendo em estágios mais maduros, o ambiente favorece os mercados privados, onde setores ligados à IA e à inovação tecnológica continuam em evidência. A busca por retornos mais estáveis e a menor dependência da volatilidade diária do mercado público tornam private equity, private credit e infraestrutura fontes relevantes de diversificação.Nos EUA, o excesso de liquidez dificulta achar ótimos ativos, abrindo oportunidades interessantes fora do mercado doméstico. Europa, Japão e países do Golfo trazem contextos estruturais favoráveis, seja por consolidação de setores fragmentados, seja por reformas corporativas ou novas plataformas de desenvolvimento. Em infraestrutura, o blend entre capital privado e público, aliado ao foco em ativos reais digitais e sustentáveis, amplia o cardápio de investimentos resilientes e com potencial de valorização no longo prazo.Uma estratégia multimanager, que combina gestores especializados em diferentes nichos, contribui para uma arquitetura de portfólio mais sólida, unindo o melhor dos mercados público e privado. - Liderança de Mercado Menos Concentrada, Maior Oportunidade de Alfa
Depois de anos dominados por gigantes de tecnologia, estamos presenciando uma mudança de guarda. A inovação em IA tende agora a impulsionar empresas que sabem traduzi-la em eficiência operacional e resultados tangíveis, abrindo espaço para companhias menores e menos acompanhadas, capazes de oferecer retornos diferenciados.Com a estabilidade dos juros e a revisão de valuations, ativos reais — como imóveis e infraestrutura — surgem como alternativas interessantes. Esse processo pode resultar em um mercado menos concentrado e mais propício à seleção de ações, permitindo que gestores hábeis encontrem empresas subestimadas e se beneficiem de um cenário mais heterogêneo e dinâmico.
Cenários Alternativos: Riscos e Surpresas
A nova administração nos EUA representa um campo de incerteza. Caso a prioridade recaia sobre tarifas e controle migratório, o mercado pode se tornar mais volátil e menos paciente. Se, ao contrário, o foco inicial for desregulamentação e redução de impostos, a confiança empresarial tende a ser reforçada, com repercussões positivas para os ativos de risco.
Por ora, acreditamos em desaceleração suave da economia americana, mas não descartamos uma recessão leve caso a combinação de medidas protecionistas, custos trabalhistas maiores e a herança de juros elevados atinja mais duramente o mercado de trabalho. Monitorar pedidos semanais de seguro-desemprego acima de 260 mil torna-se crucial para identificar eventuais pontos de inflexão no ciclo.
Quanto à inflação, estímulos ao crescimento combinados a restrições de oferta podem manter pressões inflacionárias maiores do que o desejável, limitando a amplitude dos cortes do Fed. Nesse ambiente, o nível dos juros de longo prazo torna-se variável-chave, dado seu potencial de reduzir a atratividade relativa das ações.
Na Europa e na China, embora o ceticismo prevaleça, existe espaço para surpresas positivas: valuations atrativos na Europa e potenciais ajustes na governança corporativa chinesa, além de recompra de ações, podem trazer um fôlego inesperado. Tudo isso reforça a importância da diversificação e da flexibilidade para reagir rapidamente a mudanças de narrativa.
Disciplina e Abertura a Novos Possíveis
Em 2025, não basta apoiar-se em visões simplistas sobre a força dos EUA e as fraquezas globais. O cenário exige análise criteriosa, disposição para ajustar rotas e alocação flexível entre mercados público e privado. A combinação de um possível pouso suave da economia norte-americana com políticas mais moderadas em comércio e imigração pode criar oportunidades interessantes — desde que haja disciplina na construção e gestão dos portfólios.
Assim como a “Mechazilla” mostrou que feitos antes impensáveis podem se concretizar, os mercados também podem surpreender. Manter o foco na qualidade dos ativos, na solidez dos fundamentos e na sensibilidade a cenários alternativos será essencial para aproveitar as chances que 2025 tem a oferecer, sem perder de vista o equilíbrio entre risco e retorno.