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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Na Black Friday, black is black?

Jean Blanche não curte Black Friday. Oriundo da Martinica, não gosta de estrangeirismos. Por que não Vendredi Noir, no bom francês? Seu sobrenome, Blanche, significa Branco no idioma natal. Por isso, diz que Black Friday não é para ele, nem pelo idioma, nem pelo sobrenome. Na verdade, não gosta de relembrar que caiu em inúmeras fraudes, Black Fraudes, principalmente após mudar-se para o Brasil e conhecer a malandragem local. 

Nasceu de uma promoção. Num bingo beneficente, o pai foi o primeiro a preencher a cartela e o prêmio era um parto. Isso mesmo, um parto, normal ou cesariana, que um médico local ofertou e ele ganhou. Todos riram muito. Como o prêmio tinha validade de um ano, ele engravidou a namorada e Jean nasceu, dentro do prazo. O pai não gosta de sair no preju. 

Jean mudou-se para o Brasil nos anos 90, quando não se falava em Black Friday por aqui. Viu a propaganda na TV e foi “correndo” aproveitar a liquidação do Mappim. Durante um mês! Alguém alertou que toda semana o Mappim anunciava liquidação. Comprou carnê do Bau, foi sorteado e participou do quadro na cabine à prova de som. Seu Sílvio fazia as perguntas, acendia uma luz e ele tinha de responder Sim ou Não. As colegas de trabalho gargalharam quando, na última pergunta, ele gritou SIM e trocou um Fusca zero por um espremedor de batatas. Baita fraude!

Foram muitas fraudes em terras tupiniquins, pois o brasileiro é criativo na arte da tapeação. Como diz o antigo samba: “Camelô, na conversa ele vende algodão por veludo. Não tem bronca porque neste mundo tem bobo prá tudo”. Jean é um desses bobos para tudo, inocente, ingênuo. 

Com saudade das praias da Martinica, comprou, na Praça da Sé, um lote na Ilha Comprida. As fotos mostravam um lugar paradisíaco. Dois meses depois ele foi conhecer o terreno e notou que só era acessível na maré baixa. Procurou a imobiliária, mas tinha sumido. Comprou apartamento na planta e parou de pagar um ano depois que viu que receberia apenas a planta.

Também foi vítima do golpe do consórcio. Era barato, mas não divulgava as cotas contempladas, nem devolvia os lances. A empresa, do mesmo grupo da imobiliária da Ilha Comprida, também sumiu. O Fusca? Ninguém sabe, ninguém viu.

Jean era vítima constante das armações dos companheiros da empresa, por pura diversão, para deixar para ele o trabalho pesado ou que não precisava ser feito. Por meio de e-mails falsos, era convocado para reuniões não agendadas, trabalhar em feriados emendados ou escalado para visitar clientes inexistentes.

Aderiu ao e-commerce, mas era só fornecedor falso, metade do dobro do preço, a mercadoria extraviava ou recebia produto errado. Comprou um ventilador portátil por R$ 50,00 e recebeu um leque. Comprou um carro na Black Friday e só depois de assinar o contrato notou que os 50% não eram desconto. Letras miúdas diziam que 50% era a entrada e depois vinham as 60 prestações. O tal carro custou muito, mas muito caro, e demorou a ser entregue.

Jean é frequentador assíduo da Delegacia de Crimes Cibernéticos: pirâmides, golpes pelo celular, ligações de bancos, de presídios etc. Pagou resgate pelo sequestro de filho que nunca teve, e doou para inúmeras instituições de caridade, todas inexistentes.

Sua vida amorosa era praticamente nula, até que alguém o apresentou uma mulata alta, bonita, elegante, corpão de passista de escola de samba. Jean se apaixonou. Falou das trapaças que o vitimaram por causa da ingenuidade e Charlene disse que pode contar com sua ajuda para evitar golpes. Garante que reconhece um pilantra só de olhar. 

Felizmente o acaso atuou e ele evitou a grande decepção. Levou Charlene a um Motel e pediram documentos do casal. No RG dela consta: Nicanor Xavier. Charlene é seu nome social. Engatou marcha a ré e quase bateu o Fusca num carro que chegava. Alegou cólica renal, deixou Charlene no Metrô e foi para casa.

Viu uma grande faixa com a frase: “Black Friday no Cabaré da Nena. 50% de desconto!”. Jean, que como o pai, não gosta de sair no preju, comprou o ingresso para não desperdiçar o Viagra. No Cabaré da Nena, era promoção mesmo: desconto de 50% e com direito a duas beldades. O preço era promocional, mas beldades tão sofríveis que deu saudades da Charlene. Jean decidiu voltar para a Martinica e comprou passagem na Black Friday. Só embarcou 3 dias depois, num voo com 4 escalas e 27 horas de duração, tudo na base de água sem gelo e barrinha de cereal. Vida que segue, com muita Black Fraude!

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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