Com mais de 30 milhões de idosos, o Brasil vive um momento de profunda transformação demográfica e econômica. Ao longo de mais de 20 anos me dedicando à economia da longevidade, tenho observado como o envelhecimento da população cria desafios e oportunidades para as famílias e a sociedade. No entanto, nunca antes ficou tão claro como os movimentos macroeconômicos — especialmente a alta do dólar e os impactos da taxa Selic — reverberam diretamente na economia do cuidado, afetando profundamente os orçamentos familiares.
O Cenário do Envelhecimento no Brasil
Até 2025, o Brasil será o sexto país do mundo com mais idosos. Este crescimento exponencial trouxe à tona a importância da economia do cuidado, que engloba as atividades relacionadas à assistência de idosos, crianças e pessoas com deficiência. Hoje, mais de 80% dos cuidadores no Brasil são informais e mulheres, segundo o IBGE, e dedicam em média 10 horas por dia a esse trabalho não remunerado.
Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que, se a economia do cuidado fosse remunerada, ela representaria 9% do PIB global. No Brasil, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) estimou que as famílias gastam até 30% de sua renda com medicamentos, cuidadores, fraldas geriátricas e outros itens essenciais para o cuidado de idosos.
Por outro lado, o estudo “Envelhecimento e Economia” da Universidade de Stanford destaca que países que investem na economia do cuidado não só melhoram a qualidade de vida dos seus cidadãos, mas também criam um círculo virtuoso de empregos e inovação tecnológica.
Os Efeitos da Selic na Economia do Cuidado
A taxa Selic, base para os juros na economia brasileira, afeta diretamente o acesso a crédito, os investimentos e o custo de vida. De acordo com o Banco Central do Brasil, cada aumento de 1% na Selic pode desacelerar investimentos em setores emergentes como gerontotecnologia e saúde preventiva.
Estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revela que o custo médio de um empréstimo destinado a cuidados de longo prazo no Brasil é 30% superior ao de países com taxas de juros mais baixas. Isso significa que muitas famílias não conseguem arcar com despesas importantes, como adaptação de residências ou a contratação de cuidadores profissionais.
Por outro lado, uma Selic em níveis mais baixos poderia incentivar a criação de startups voltadas para a longevidade e estimular empresas a desenvolverem tecnologias assistivas, como dispositivos que monitoram a saúde do idoso em tempo real. Estudos da Harvard Business Review reforçam que políticas públicas para redução de juros em áreas como saúde e tecnologia têm impacto direto na criação de um mercado sustentável e lucrativo.
O Peso do Dólar nas Despesas Familiares
Cerca de 65% dos insumos médicos e farmacêuticos utilizados no Brasil são importados. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (ABIMED), cada variação de 10% no dólar pode elevar em até 18% o preço final de itens como fraldas geriátricas, medicamentos e equipamentos de suporte à mobilidade, como cadeiras de rodas e andadores.
Para famílias que já enfrentam altos custos, a alta do dólar amplifica o impacto financeiro. Pesquisa da Fiocruz sobre saúde e envelhecimento aponta que a proporção de famílias brasileiras que precisam sacrificar outros gastos essenciais para atender às demandas de cuidado subiu de 23% em 2015 para 37% em 2023.
Oportunidades no Horizonte: A Economia da Longevidade
Apesar dos desafios, a economia da longevidade apresenta um imenso potencial. Segundo relatório do Global Coalition on Aging, esse setor movimenta mais de US$ 8 trilhões globalmente e deve crescer 30% na próxima década. No Brasil, dados do Instituto Locomotiva mostram que idosos acima de 60 anos movimentam R$ 1,8 trilhão por ano, sendo consumidores ativos em áreas como saúde, alimentação e lazer.
Uma pesquisa da McKinsey & Company destaca que países que investem em tecnologias voltadas para idosos — como plataformas digitais para cuidadores e dispositivos médicos acessíveis — têm maior resiliência econômica em cenários de crise. No Brasil, startups como Portal Telehelp e Cora começam a criar soluções práticas para o cuidado, mas ainda enfrentam barreiras regulatórias e financeiras.
Um Caminho para o Futuro
O Brasil precisa de uma abordagem integrada para enfrentar os desafios da longevidade e valorizar a economia do cuidado. Políticas públicas direcionadas são essenciais: incentivos fiscais para empresas do setor, linhas de crédito com juros reduzidos e subsídios diretos para famílias seriam passos iniciais. Além disso, o reconhecimento formal do trabalho dos cuidadores informais, aliado ao desenvolvimento de tecnologias assistivas, pode transformar essa economia invisível em um motor de crescimento sustentável.
O envelhecimento populacional não é apenas um desafio — é uma oportunidade. Cuidar de quem cuidou de nós, com dignidade e suporte adequado, é um investimento no futuro da sociedade. Afinal, todos, em algum momento, seremos tocados pela economia do cuidado. A hora de agir é agora.
Por: Willians Fiori
Especialista em longevidade desde 2003
Professor docente do hospital Israelista Albert Einstein na pós graduação em gerontologia, Geriatria e mercado saúde
Professor convidado da FIA,INSPER, FAAP, FMUSP, UFRJ e PUC-RS
Membro da sociedade brasileira de geriatria e gerontologia
Membro da sociedade brasileira de gerontotecnologia
Membro da associação brasileira de telemedicina e telesaude
Membro e criador do grupo de estudos sobre longevidade envelhecimento 2.0
oHst e criador do gerocast, primeiro podcast em audio sobre longevidade no brasil, desde 2014