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sexta-feira, 8 de novembro de 2024

A nova desordem mundial

O mundo anda tão doido que até parece que vivemos o Realismo Fantástico, aquele estilo literário que mistura coisas reais e absurdas. Foi o que pensou Mara Kutaya, que acordou nua, cabeça latejando e corpo dolorido. Enrolou-se num lençol, saiu à rua e viu pessoas circulando nuas, a pé e de bicicleta. Quem a viu enrolada no lençol, virava o rosto, protestava e até cuspia.

  • Psiu. Ei, você! Ficou louca? Por que está com o corpo coberto?
  • Acordei agora, cabeça latejando, corpo doendo. Por que estão todos pelados? O que aconteceu? 
  • Em que universo você vive? Não me diga que não está sabendo! Venha cá que eu te explico.

O estranho levou Mara Kutaya para um lugar seguro e disse: Houve uma revolução chamada Nova Desordem Mundial. A pandemia criada pelas Big Pharma, com apoio de empresários e políticos, dizimou ou esterilizou metade da população. A ONU, agora Organização dos Notáveis do Universo, não mais reúne nações, mas artistas, terraplanistas, ecologistas, influenciadores e coachs. A Maddona, a Greta, o Tom Cruise e o Di Caprio são os principais líderes.

  • Não vi nenhum carro e tem pouca gente na rua. Onde foram todos?

Os veículos foram destruídos. Só se anda a pé, de patins ou bike. Zero carbono. A música é livre, mas é proibido dançar. Roupas também são proibidas. Não existe mais homem ou mulher, apenas Humanos. A população está limitada ao que o planeta pode suportar. Quando precisam de gente para substituir os deletados, a ONU acessa a CEO (Central de Esperma e Óvulos), e encomenda substitutos. Casamentos foram abolidos e não existe mais família. O sexo é livre, em qualquer lugar, com qualquer um, humanos ou animais, de qualquer jeito, menos em pé.

  • Por que sexo em pé não pode?
  • Porque dá vontade de dançar e dançar foi proibido.
  • O que quer dizer “deletados”?
  • Após os 60 anos, os Humanos só dão trabalho e são deletados. Assim, não gastam com remédio e não precisam de aposentadoria.
  • Que doideira. E o Brasil? Quem governa o Brasil?
  • Não existe governo. O Marçal lidera o comitê de coachs e comanda tudo pelas redes sociais, com a ajuda da Deolane, do Vittar e do Neto, conforme as diretrizes da nova ONU.
  • Como eles conseguiram ser eleitos?
  • Não existe mais eleição. Só consulta pelo grupão do WhatsApp.
  • O planeta Terra vai acabar?
  • Segundo a Greta, o planeta não, a humanidade sim. Um dia a Terra se recupera e a vida recomeça, talvez com Humanos melhores.
  • E a criminalidade? Com tudo mundo nu, ninguém rouba celulares, cartões ou relógios?
  • A criminalidade acabou, ou melhor, os criminosos foram extintos. CPFs cancelados.
  • As drogas também desapareceram?
  • Sim, todas, menos a Fanta Uva. É uma droga, mas o povo ama.
  • Quem é você? O que você faz?
  • Sou da resistência, pessoas que escaparam da esterilização. A gente se reúne escondido. Rola cerveja, cigarro, sexo, rock, vídeos proibidos, desfile de moda com modelos vestidas e rapazes de terno. As mulheres foram à loucura com um vídeo de parada militar, com soldados fardados e de quepe. Hoje vai passar “O vestiário feminino”: as atletas saem do banho, vestem calcinha, sutiã, manga comprida e agasalho. É pura excitação!
  • Caraca, que doideira! E a igreja não diz nada? Não existe mais a fé?
  • As religiões foram extintas, mas o povo cultua secretamente profetas como Xi e Putin. Outros são fiéis ao Tio Sam ou ao Kim. 
  • E como ficou o Brasil nessa história?
  • O Brasil não perde uma oportunidade de perder oportunidades. Alterna ora à esquerda, ora à direita, mas continua crescendo como rabo de cavalo, para baixo e para trás.

Mara Kutaya abriu lentamente os olhos embaçados e reconheceu alguns rostos.

  • Querida, você voltou. Que ótimo!
  • A cabeça dói! Fui num lugar onde todos andavam nus e não tinha governo. O que houve?
  • Ainda está delirando, querida. Você foi para a faculdade, viu uma mulher sendo estuprada por um drogado e rapazes roubando um carro. Tentou ligar para a polícia, mas os ladrões trocaram tiros e uma bala perdida te atingiu. Um camelô matou os ladrões e te trouxe para o hospital. Não tinha vaga, ele subornou o vigia, você ficou no corredor e um vereador conseguiu quarto em troca de propina. O doutor disse que acordaria zonza por causa do Ozônio Retal. Vou pedir para a Cintia, da repartição, assinar o ponto por mim. Para a manhã, arrumo um atestado.
  • Quem bom que tudo está como antes, no Velho Normal. Quero ter alta logo. Serei mesária na eleição para presidente do Brasil.
  • Eleição? Presidente? Brasil? Em qual universo você vive? Ai meu amor, seu caso é pior do que pensávamos.
Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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