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sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Inveja pouca é bobagem

Querer é poder, diz o ditado, mas para Zenaide Zefir, isso é pura mentira, porque ela nunca consegue as coisas que quer. E não é por falta de esforço, pois tudo o que deseja é sempre com muita vontade e muito esforço.

As professoras da pré-escola ensinaram a compartilhar os brinquedos e não cobiçar as coisas dos coleguinhas. De origem humilde, a pequena Zenaide nunca teve muito o que compartilhar e por isso quase não houve reciprocidade. Na sua vez de receber brinquedo de alguém, a hora do recreio tinha acabado. 

Alta, magrela, feiosa e pobre, essa coisa de compartilhar atazanou sua vida também na fase adulta, quando as amigas compartilhavam informações sobre namorados. Ela nunca namorou alguém minimamente bonito ou bem de vida, e não tinha nada interessante para compartilhar.

Ironia do destino, os poucos rapazes que lhe interessaram sempre a recusaram e acabaram namorando suas amigas. Uma delas, que trocava de namorado todo semestre, reclama que só entra em relações tóxicas. Zenaide invejou e decidiu testar uma relação tóxica, mesmo sem saber o que isso significa. Namorou um chefe do tráfico e acabou presa. Saiu sob fiança e relatou o fato às amigas, pensando que iria abafar, mas ouviu apenas alguns “Ah tá!” não muito sinceros. E nenhuma delas a invejou.

Seus principais objetivos na vida eram dominar a inveja crônica e ter alguém que a invejasse. Até sua música chiclete era a “melô do Invejoso”, do Roberto Carlos: Olha, você tem todas as coisas, que um dia eu sonhei para mim. Ela sabe que por trás de uma grande mulher, sempre tem outra com dor de cotovelo. Zenaide vivia com os cotovelos inflamados.

A inveja é um pecado capital igualmente distribuído pela população, independente da raça, sexo, poder econômico, beleza, cultura etc. O gordo inveja o magro, o pobre inveja o rico, o feio inveja o belo, o forte inveja o fraco, o ignorante inveja o sábio. Foi, é e sempre será assim. Se a pessoa é bela, rica, inteligente, forte e magra, ou procura algo para invejar, ou vai direto para o analista, pois deve ter alguma inveja oculta ou mal resolvida.

As amigas começaram a se casar, Zenaide não, e ainda teve de ser madrinha da prima que se casou com o Ivo, que ela esnobou só para se fazer de difícil e valorizar o passe. A prima fisgou o moço, Ivo enricou e o casal vive em Paris. Além de invejosa, Zoraide é muito é azarada!

O invejoso raiz não se assume, diz que é “tendência”, mas Zenaide parece andar na contramão das tendências. Ela afirma que não é culpa da carteira ser pobre e que um dia as coisas vão melhorar. É só questão de tempo.

Quando se deu conta que inveja tudo e todos, mas ninguém a inveja, pesquisou e descobriu que a meditação ajuda a abandonar o sentimento. Foi recusada por vários gurus até que a doutora Tainá Lise a acolheu e explicou os estágios da inveja: chorar, comer, beber e cheirar. Como ela já esta no terceiro estágio, a doutora sugeriu fazer uma lista de prós e contras para continuar viva, mas quem primeiro finou-se foi Tainá Lise, que se suicidou e deixou bilhete culpando Zenaide.

A pesquisa sobre inveja deu resultado, não para acabar com o sentimento, mas para ganhar dinheiro. Alterou o nome para Aidê, grafado Haidée, muito mais chique. Haidée se tornou influenciadora e coach de inveja, com canal no Youtube, podcasts e perfis nas redes sociais. Fato curioso: a maioria das seguidoras não quer controlar a inveja, mas aperfeiçoá-la. Como tem gente doida nesse mundo! Mas, pagando bem, que mal tem?

Sua redenção só veio vinte anos após o colégio, no encontro da turma. O programa previa que todas subissem ao palco para falar sobre suas vidas e ela não invejou o fim da fila. Nome que começa com Z tem algumas vantagens e ela pode observar as pessoas que invejou. Tinha de tudo: ricas, remediadas, bem casadas, mal casadas, separadas, mães, muitas plásticas, botox, empregadas, desempregadas etc. Mas todas pareciam felizes, ou então fingiam parecer.

Assim que seu nome foi anunciado, subiu ao palco e percorreu os 8 metros até o microfone, sob holofotes e profundo silêncio. Com pouco a dizer, o discurso foi breve e os aplausos bem fracos. Mesmo assim, Zenaide quase atingiu o orgasmo. É que plateia a examinou de cima a abaixo e em uníssono liberou um suspirante “Oh!”, recheado com o mais profundo sentimento de inveja. Ela não é rica ou famosa. Não é bonita ou elegante. Mas, aos 38 anos, Zenaide Zefir é MAGRA, e as miguchas morreram de inveja. Êta sentimento bom!

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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