Tem muita gente que acredita em Universos Paralelos, Multiverso etc., temas que emergem da Física Quântica e da Relatividade Geral. Juca crê que foi deixado na Terra pela nave mãe, após um choque entre universos. É incrível o volume de golpes que ele sofre, o que só faz sentido se tiver vindo de um universo onde não existam golpes.
Tudo começou com o golpe da falsa parteira, que o devolveu ao berçário para não ser presa após sequestrar o bebê. Ao devolver, misturou as etiquetas, e Joaquim Silva virou Abeb Nokano, filho de nigerianos. A troca de bebês foi desfeita, mas não o nome. Para os pais biológicos, ele é Joaquim, ou Juca Abeb Nokano.
Na escola, foi vítima do golpe do Falso Professor – um veterano fingiu ser docente e cobrou leituras e exercícios. Sofreu assaltos com armas falsas, até que resolveu encarar, mas o revólver era real e ele levou um tiro. No hospital, recebeu telefonema do seguro cobrando pela prótese no braço. Pagou e depois lembrou que o tiro foi na orelha direita, não no braço. Outro golpe.
Conheceu a enfermeira Ester Elisa e começaram namoro sério. Por insistência dela, procurou apoio religioso. Gunter, o pastor alemão, limpou sua conta bancária com o golpe do terreno no paraíso. Juca e Ester decidiram se casar para que Juca Júnior, gerado no leito hospitalar, não fosse filho de pais solteiros. A Cerimonialista é prima da noiva e bem avaliada no Facebook. Bolou um casório incrível: decoração chique, bufê e viagem de Lua de Mel fantástica. Edy Graça, tia de Ester e corretora de imóveis, vendeu um belo apartamento na planta e uma casa na Praia da Armação. Como presente pela compra, ganhou uma linda orquídea. Juca assinou a papelada do financiamento, pagou taxas, seguros, juros antecipados, mas a grana ainda não saiu.
O noivo convidou mais de 180 pessoas, inclusive uns golpistas conhecidos. Sua casa ficou abarrotada de presentes e a conta conjunta com Ester repleta de PIX para a Lua de Mel. No ensaio da cerimônia, ninguém apareceu. No endereço funciona uma funilaria. O dono ofereceu café frio e explicou que todo mês pinta um casamento fajuto no local. Está pensando em fechar a funilaria e abrir um bufê. O movimento anda fraco e o negócio de casamento está em alta.
Como o celular da noiva só caia na caixa postal, Juca foi até a futura residência do casal, mas em vez de um prédio, achou apenas um terreno invadido. Comprou na planta e recebeu só a orquídea. A Praia da Armação foi armação. Em casa, ficou furioso ao notar que os presentes sumiram e a conta bancária do casal está negativa até o limite. Golpe do Baú.
Foi registrar B.O. na delegacia e viu um cartaz “Procura-se”, com a foto da noiva e vários codinomes, inclusive Ester Elisa, filho da falsa enfermeira que sequestrava bebês no hospital. Sim, a noiva é “filho”. Alfredo é um trans e, por óbvio, nunca engravidou. Golpe da barriga.
- Você tem de deixar de ser trouxa – disse um dos padrinhos.
- Como posso fazer isso?
- Informe-se, leia sobre golpes, mude as senhas. Fique esperto.
Comprou o curso “Como não cair em golpes” e matriculou-se no A.A. – Assaltados Anônimos. Nunca recebeu o link, nem o livro do curso. Tudo golpe, menos o A.A. onde soube que no Brasil tem um golpe a cada 8 segundos. São 7 golpes por minuto, 450 por hora, 120 milhões por ano. Golpes deveriam ser melhor distribuídos pela população! Por que só acontece comigo? – pensou.
O coordenador do A.A, por conta da vivência do Juca como vítima, sugeriu entrar para a política e melhorar as leis contra golpes. Ele gostou de ideia, filiou-se a um partido, gastou uma nota, foi eleito, mas não pode ser diplomado devido à fraude na lei de cotas: não é mulher, nem indígena, nem negro, apesar do nome nigeriano.
Juca decidiu encerrar a temporada terrena. Encomendou adagas para o suicídio, mas não foram entregues. Finou-se de desgosto. Deixou em testamento sua última vontade, paga na funerária: cremação, música clássica e cinzas jogadas em alto mar, de helicóptero. Ninguém compareceu à cerimônia, ao som de clássicos de Pablo Vittar. Não teve helicóptero e as cinzas foram jogadas no gramado. As pessoas, sem saber, pisam naquilo que um dia já foi Juca Abeb Nokano.
Muito boa a crônica
Obrigado