Não me lembro bem se o meu primeiro contato com o álcool foi através do Biotônico ou do mimeógrafo. Eu era muito novo e algumas memórias do início das nossas infâncias acabam se perdendo. Ficam só alguns fragmentos e as histórias da família.
Minha mãe conta que eu era “ruim de comer”, por mais que ela tentasse, nunca conseguia me fazer comer nada. A solução foi apelar para o Biotônico. Era só tampar o nariz e enfiar goela abaixo para abrir o apetite. O gosto era meio estranho e forte, mas com o tempo fui me acostumando e depois passei até a gostar e já pedia: “- Manhê! Me dá cachacinha?”. Esse apelido era muito comum, algum adulto lá em casa experimentou e falou, mas depois descobri que as outras crianças também chamavam ele assim. Mais tarde, cheguei pessoalmente à conclusão de que o gosto era bem parecido mesmo. Assim como um dia eu descobri que o Biotônico tinha aquele gostinho de cachaça e passei a desconfiar que tinha álcool alí, os órgãos de fiscalização também desconfiaram, fizeram testes e descobriram que realmente tinha. A fórmula teve que ser mudada para poder continuar vendendo.
Já no caso do mimeógrafo, este não me foi apresentado em casa, foi na “rua”, ou melhor, na escola. Os professores pegavam um pacote de Chamequinho, que os nossos pais tinham que levar todo início de ano letivo, e uma garrafa de álcool, colocavam cada um no seu devido compartimento, o “original” da prova na bandeja e começavam a girar a manivela, por isso diziam que iam “rodar” a prova. A folha entrava branca e saía uma cópia quase perfeita daquele “original”, só que da cor azul e com um cheiro muito forte de álcool. Descobrimos que cheirar aquelas folhas “dava onda”, a gente ficava meio tontinho, era o “barato” da molecada. Com o tempo, o mimeógrafo foi sendo superado pela tecnologia, principalmente quando ela começou a baratear. As cópias ficaram mais fiéis aos originais, inclusive a cor preta dos textos das provas. O cheiro já não fazia mais parte do processo e não se fala mais em “rodar” as provas, agora elas saíam automaticamente e numa velocidade muito maior.
Na minha memória ficaram gravadas aquelas sensações da minha infância: o gosto, o cheiro e a “onda”. Quando cresci, as encontrei de novo em um bar qualquer, dentro de um copo. Foi como ter nas minhas mãos a nostalgia em forma líquida para beber. E ainda tem gente que pergunta: “- Por que você bebe?”.