Viver é difícil. Não é para qualquer um. Mas quem consegue levar numa boa, logo conclui que, mesmo difícil, a vida é melhor que a morte, se bem que ninguém voltou do outro lado para confirmar. Mas o que é uma vida boa?
Richard, Rico para os íntimos, e Tito Beia são amigos inseparáveis, desde sempre, porém diferentes em quase tudo. Rico é de família de classe média alta, ótima casa, boa comida, presentes, viagens e roupas novas. Tito tem origem modesta. Nunca faltou nada, porém nunca sobrou. Tudo o que teve era de qualidade inferior ou reaproveitado.
Aos 22 anos, Rico, recém formado em Finanças, trabalha na Corretora de Valores do pai. É certinho, politicamente correto, cheio de regras e inveja a vida do amigo, simples, porém muito mais divertida. Tito só fez faculdade quando foi servente de pedreiro no campus. Não concluiu o ensino médio e rala numa financeira alternativa, eufemismo para agiotagem. Faz bicos como Corretor Zoológico (anotador de apostas no Jogo do Bicho), mas sabe aproveitar a vida. Ótimo nos esportes, na dança de salão, excelente lábia, vive cercado por lindas garotas. O salário é baixo, mas ele é bom de trambiques, aqueles negócios escusos e lucrativos para os quais os trouxas não são chamados.
Num evento empresarial, Rico conheceu Thais Perta, recepcionista. Moça simples, aparência ingênua, linda, gentil, corpo escultural. Convidou-a para jantar. Ela pediu tempo para verificar um assunto (na realidade, foi checar a lista de inscritos). Descobriu que o rapaz é filho de um rico empresário e bom partido! Thais não dá ponto sem nó e aceitou o convite na hora.
Aquela noite, pontualmente, ou seja, com 20 minutos de atraso, chegou ao fino restaurante, muito melhor que o “podrão” onde costuma almoçar. Sorte que a experiência com eventos ensinou-a como se portar à mesa em ambiente requintado. A voz aveludada, o rosto de capa de revista e o sorriso radiante cativaram Rico, que onze encontros depois, pediu-a em namoro.
Nesse ponto, Thais já tinha ouvido tudo sobre Ações, Derivativos, Curva de Juros Invertida, Índice DXY e outros temas “românticos” que rolavam nas conversas e ela fingia se interessar. Rico esperou até sentir-se confortável para apresentá-la ao amigo. Eles se viam sempre, no happy hour das sextas com os demais amigos. Quando se despediam, Tito ia para as baladas e Rico para casa. Thais trabalha até tarde nos eventos e eles só namoram aos domingos.
Quando finalmente apresentou a namorada, juntamente na festa de aniversário do amigo, num bar, com vários clientes. Tito quase engasgou. Thais fora seu rolo secreto por meses e ele a levava a reuniões para fechar negócios. Ela conseguia os contratos nas “reuniões” no Motel, recebia um valor fixo e as gorjetas dos clientes. Era conhecida por Lassie, alusão à famosa cadela do antigo seriado de TV. Tito não comentou para não melindrar o amigo, discrição não observada pelos clientes que tratavam Thais por Lassie.
Rico e Lassie, ou melhor Thais Perta foram embora. Tito explicou o ocorrido aos clientes, que disseram que ele merece namorada menos rodada. Dois dias depois, Tito encontrou Rico, que tinha terminado com Thais.
- Eu não te disse na hora, pois ela é mesmo bonita e você estava na secura há anos, mas a Lassie tem mais horas de cama que urubu de voo.
- Por que a chamam de Lassie?
- Desculpa, cara. É que ela uiva muito na hora do …. Sabe? Intercurso.
- Ainda não chegamos nesse nível. Namoramos apenas há sete meses.
- Sete meses sem finalizar? É mais difícil do que morder a própria orelha.
Sabe quando um amigo consola o outro que acabou de terminar com alguém e esculhamba a ex, embora dizendo verdades, e aí, no nada, eles reatam e se casam? Pois é, Rico e Lassie, ops, Thais Perta reataram e se casaram. Tito não foi convidado, por exigência da noiva. De tanto implicar e interferir na amizade, eles pararam de se ver para não acabar com o casamento.
Os antigos amigos continuavam a se encontrar no bar. Um belo dia, Rico apareceu e viu Tito com uma bela ruiva. Quando ela foi ao toalete, ele se aproximou e quebrou o gelo.
- Você sempre fez sucesso com as garotas. Eu tento, mas não consigo!
- Eu só sigo o fluxo. Deixo a vida me levar.
- Cada vez que eu te vejo você está com uma garota diferente!
- Garimpo as minas nas redes sociais.
- Tenho perfil no Facebook, mas nunca conheci alguém interessante lá.
- Facebook? Quantos anos você tem? Sessenta?
- Eu uso o Twitter para publicas dicas de investimentos, queijos e vinhos.
- Twitter? O nome agora é “X”. Mesmo assim, pouca gente lê. O povo tem preguiça de ler. Preferem o Instagram, que é o Twitter de quem não gosta de ler.
- Manter-se ativo na redes toma muito tempo. Quando você faz isso?
- Toda noite, vendo vídeo pornô, como todo cara normal faz!
Tito nunca se casou e o casamento de Rico e Thais não durou. Lassie arrancou pouca grana do marido. Não entende de acordos pré-nupciais e a empresa está em nome do sogro. Tentou o golpe da barriga, mas o DNA não confirmou a paternidade. Quis voltar aos eventos, mas já não era uma menina graciosa.
Rico voltou a se encontrar com os amigos. O problema das velhas amizades é que os amigos também envelhecem e alguns vivem em residenciais para idosos. Mas arrumaram para Thais e umas amigas gatosas – gatas idosas – atendendimento para a veiarada com massagens e visitas íntimas. Rico e Tito estão em outra vibe.
- Como foi seu dia na agiotagem?
- O de sempre. Trouxas tomando mil reais no consignado, pagos em doze parcelas de R$ 160,00.
- Fiz bem em vender a Corretora. Agora vivo de rendas.
- Ainda bem, amor. Sozinho eu não poderia garantir muita coisa.
- Agora faz um cafuné e vamos dormir de conchinha. Amanha tenho Tai Chi bem cedinho.
Moral da história: Uma mulher jamais deve interferir na amizade entre dois homens. Se não, eles vão embora, morar juntos e ela fica chupando o dedo.
Kkkk, excelente e o fim, super criativo. Parabéns, Laerte.
Obrigado, Lourdes. Abraço.