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sábado, 29 de junho de 2024

Entre a Broca e a TV

Sou uma pessoa que tem medo de dentista. Até o barulho da broca, mesmo fora da boca, já faz os meus dentes doerem. Enquanto estou na sala de espera, fico inquieto, não folheio revistas, não aceito copo d’água e, cada vez que escuto aquele barulho, quase vou embora. Algumas vezes já fui. É psicológico isso, não tem explicação.

Quando finalmente sou chamado, primeiro finjo que não escutei, mas na segunda ou terceira vez não dá mais para fingir, tenho que ir. Antes de sentar na cadeira, puxo tudo quanto é tipo de assunto, elogio a decoração, pergunto pela família etc, até que o dentista quase me empurra na cadeira e diz: “- Então vamos lá, né?!”.

Assim que me sento, meu corpo começa a ficar todo duro, um calafrio passa pela minha espinha e todos os pelos do meu corpo ficam arrepiados. Mas é quando o encosto vai abaixando e a cadeira vai subindo que as mãos se travam nos braços dela e o suor começa a escorrer, parecendo que eu acabei de sair do banho e ainda não me enxuguei.

Foi então que surgiu a pergunta que mudou tudo:

– O que você quer assistir?

– Como assim?

– Na TV, enquanto a gente faz o seu tratamento.

– Que TV?

– Aquela alí no teto.

– Você tem uma TV no teto?!

– Sim, agora todos os consultórios de dentista têm.

– Tem tanto tempo que não vou num dentista que nem sabia, isso pra mim é novidade.

– Então, o que vai querer assistir?

– Nada. Nada não. Obrigado.

Pronto! Agora eu tinha um novo medo: o de a TV cair em cima de mim. Tentei aparentar naturalidade enquanto a gente estava conversando, mas não sei se consegui disfarçar. Acho que quanto mais a gente tenta, mais a gente acaba demonstrando.

Desse momento em diante, eu já não conseguia pensar nem enxergar outra coisa a não ser a TV. Era como se eu estivesse dentro de um quarto totalmente vazio onde só tinha eu, deitado na cadeira, e a TV, no teto, pronta para cair. Às vezes até parecia que ela dava umas balançadas, como se fosse uma pessoa ameaçando me dar um soco.

Uma voz disse: “- Prontinho, acabou!”. Era o dentista. Ele já tinha terminado o meu tratamento e eu não tinha percebido. Não senti nada. Não escutei nada. Nem a broca!

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