Quem nunca teve parente, vizinho ou pessoa conhecida que, quando alguém espirra, diz “saúde”, e recomenda 2 ou 3 remédios. Quando sente cheiro de pum, sugere um chá. Quando encontra alguém, diz: nossa, como você está magro, abatido, sem cor. Em seguida indica tônicos, tratamentos e cita pessoas internadas ou que morreram por causa daquilo.
Qwert, 39 anos, solteiro, experimenta tudo quanto é chá, vacina e tratamento alternativo. É fanático por aplicativos, sites de saúde e acompanha lançamentos de remédios. A cada dia tem um sintoma diferente e começa a se tratar. Quando nada sente, é por que tem algo errado. Tem certeza que contraiu alguma doença que a ciência desconhece.
Filho de uma excelente datilógrafa, recebeu o nome do teclado e da máquina de escrever que ela tanto amava: Qwert Olivetti da Silva. Sua mãe, Olympia, também nome de máquina de escrever, ensinou como preparar unguentos e elixires para qualquer tipo de sintoma que tiver ou puder ter no futuro. Melhor prevenir-se do que remediar, dizia.
Qwert prepara chás diversos e sabe tudo sobre vacinas à base de vírus inativado, atenuado, ácido nucleico, vacina conjugada, combinada, experimental etc. Cadastrou-se em sites de vários laboratórios e sempre se voluntaria para testes. O doutor Zinho, médico do SUS, interessou-se pelo seu caso.
- Sabe, Qwert, existe um limite entre procurar um problema e inventar um.
- Doutor, eu não invento problemas. Eu apenas tenho sintomas. Faz tempo que não durmo bem e ronco como um porco com sinusite.
- Não vejo em você o menor indício de qualquer doença.
- Tenho certeza de que sofro de algum mal que a ciência ainda não evoluiu o suficiente para descobrir.
- Você se queixa de queda de cabelos, mas eles pararam de cair.
- Viu? Até mesmo aquilo que fazia os cabelos caírem não está mais funcionando. A homeostase em mim, definitivamente, está fora de controle.
Qwert é altamente produtivo e todos gostam dele, mas sua vida amorosa é muito complicada. Todas as namoradas o abandonaram, de tanto que as obrigava a prevenir doenças. Exigia que passassem álcool em gel nas mãos antes e depois de abrirem a porta do carro, pegarem um copo de água ou cumprimentarem alguém.
Os amigos dizem que quando ele morrer nenhum verme se atreverá a comê-lo, tamanha a intoxicação medicamentosa. Seu corpo será exibido em aulas de anatomia sem necessidade de conservação em formol.
Quando Olympia morreu, os legistas atestaram “falência múltipla de órgãos”, o que, segundo Qwert, significa “doença desconhecida”. Tem certeza de que isso é hereditário e que cedo ou tarde acontecerá com ele.
Ao senti-se extremamente deteriorado, exigiu que a empresa lhe pagasse um check up. Está certo de que tem doenças suficientes para compartilhar com dezenas de pessoas. Uma semana depois, o doutor Zinho comentou os exames:
- Tenho uma triste notícia para dar. Você não tem absolutamente nada!
- É porque eu sempre me precavi. Se dependesse da medicina…
Qwert foi demitido por faltar muito ao serviço para se cuidar de problema algum. O caso repercutiu e ele foi entrevistado num programa de TV sobre vida saudável.
- Você é hipocondríaco?
- Não. Sou apenas uma pessoa que cuida da própria saúde.
- Mas você foi demitido de tanto se ausentar para consultas e exames.
- Você tem de passar pelo que tem de passar. Saúde em primeiro lugar!
Pensam que Qwert desistiu? Não. Ele se reinventou. Estudou informática, mídias digitais e Inteligência Artificial. Tornou-se Influenciador Digital e Coach em Saúde. Criou canais e perfis em diversas plataformas e tem milhões de seguidores pelo mundo. Clínicas da moda e Spas caríssimos anunciam nas suas plataformas.
Laboratórios farmacêuticos pagam fortunas para ele recomendar seus remédios. Ele testa todos antes de indicar, mas faz uma ressalva: Nunca leia a bula! Quem lê as contraindicações não toma remédio algum. Um simples tônico contra caspas pode causar anemia, diarreia, atrofia muscular, palpitação, hemorróidas, gases, coceira no mucumbu e impotência sexual.
Qwert enricou! Virou consultor da OMS e foi sondado para o Ministério da Saúde. Se Olympia vivesse, sentiria muito orgulho! Tem muito Qwert por aí, além de seguidores para qualquer tipo de assunto, principalmente os duvidosos. Bastou sair nas Redes que o povo acredita!
Mundo estranho o nosso. A Internet veio para democratizar a informação, mas o que faz sucesso mesmo é a desinformação. Agora vou parar para tomar meus remédios. Comprei remédio para a memória, mas sempre esqueço de tomar. Vida que segue!
Ótima a crônica, tantas verdades nela! Parabéns!
Obrigado, Cibele.
E quantos Asdfg’s ainda tentam se reinventar!
Muito bom, Laerte
Isso mesmo, Ita. QWERT nos EUA, ASDFG por aqui. Obrigado.