16.4 C
São Paulo
quarta-feira, 13 de novembro de 2024

As cartas não mentem jamais!

Madame Cacilda é respeitadíssima na Chapada. A Advogada, Acupunturista, Peoa de boiadeiro, Cantora em Cabaré e Marketeira política ganhou fama mesmo como Taróloga da elite. Cobra caro, mas entrega resultados. Sabe das coisas e da vida de cada um dos poderosos, mas a discrição é fundamental no seu ramo. Acha intrigante ninguém fofocar sobre as virtudes das pessoas. O povo só comenta os podres alheios, mas o ser humano é assim mesmo.

Nas sextas-feiras, Madame Cacilda vai à Praça para desanuviar e atender os menos favorecidos a preços módicos. Nas consultas populares, os pedidos variam muito: encontrar porco perdido, conseguir namorado, descobrir quem dá em cima do marido, ganhar no jogo do bicho, recuperar virgindade etc. Ninguém consulta as cartas para arrumar trabalho. 

Catânia, em liberdade condicional, mora com a Madame. A sobrinha desocupada cumpre pena por homicídio, mas pode estar envolvida em pelo menos três suicídios suspeitos, acertos de conta, castrações e outros crimes. Ter emprego é condição necessária para obter o benefício da Condicional. O Juiz e o Promotor concordaram que o cargo de Assistente de Taróloga atende ao requisito. Ninguém quer se indispor com a Madame. Tanto o Juiz como o Promotor e o Delegado são seus clientes, devem favores e ela conhece seus podres. A Madame espera que a sobrinha aprenda a arte e faça do Tarô um meio de vida. Ela tem o dom.

Naquela sexta-feira, oito pessoas aguardavam a taróloga, quando apareceu uma mulher bem vestida, deu R$ 10 a cada um e furou a fila. A taróloga aboletou-se, concentrou-se e chamou a primeira consulente. Catânia acompanhava atentamente e tomava nota de tudo.

Raquel, dondoca mal passada, viúva, cinquenta anos, há onze sem contatos masculinos, ouviu a Madame dizer que via dois homens em sua vida. A broaca debochou. Onze anos sem homem e agora aparecem dois de uma vez? Foi embora, não pagou os R$ 100 da consulta e acusou a Madame de charlatanismo. Catânia injuriou-se. Na semana seguinte, Raquel retornou.

  • Madame, eu não acreditei no que disse, mas conheci dois homens lindos.
  • As cartas não mentem jamais e eu não erro na leitura.
  • Faça de novo. Quero saber com qual dos dois devo ficar.

Madame leu as cartas, disse que não ficará com nenhum dos dois e que outro homem entrará em sua vida. Raquel foi embora blasfemando. Da primeira vez foi coincidência. Agora é gozação! Foi difícil conter a fúria de Catânia. 

Mas surgiu um outro homem e Raquel procurou Madame Cacilda novamente. As pessoas que sabiam do barraco ansiavam pelo desfecho. A praça toda comentava e aguardava.

  • Seguinte: o dobro ou nada. Jogue novamente e diga meu futuro. Se acertar, pago R$ 600, o dobro do que devo. Se errar, não pago nada e ainda te denuncio.
  • Está bem. Vamos consultar as cartas. Opa!
  • O que houve.
  • Boas e más notícias. Você não ficará com nenhum dos três homens e vejo uma mulher complicando sua vida.
  • Uma mulher? Ora, virei lésbica? Só me faltava essa! Qual é a boa notícia?
  • A boa notícia é que eu vou receber o dinheiro que me deve.

Raquel pegou a bolsa, mostrou o dedo médio foi embora furiosa. Na semana seguinte, ela não apareceu e Catânia só chegou na praça depois do meio dia. A tia perguntou:

  • Onde você estava?
  • Fui visitar Raquel e ver se falou a verdade. Ela é viúva de um ricaço e mora numa casa enorme. Estava com três homens no deque da piscina, todo mundo pelado e churrasqueando ao som de Anitta e Pablo Vittar. Perguntou o que eu queria. Respondi que eu era a mulher que complicaria a vida dela se não pagasse a dívida.
  • Nossa Catânia! E o que ela fez?
  • Chamou os peladões e perguntou: o que você vai fazer queridinha? Eles riram da minha cara e disseram que iam me aplicar um corretivo. Aí eu peguei o treisoitão e apaguei os quatro. Vasculhei as carteiras e saquei R$ 1.500,00.
  • Catânia, por que você fez isso?
  • R$ 600 que ela te deve e o restante é para repor a munição e meus honorários, claro. As cartas disseram: Aparecerá uma mulher na vida da Raquel, ela não ficaria com nenhum daqueles homens e você receberia a grana devida. As cartas não mentem jamais!
Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

6 COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

A nova desordem mundial

Beba, durma e coma!

Velhos amigos, idosos e perigosos

O pecado da ira e os irados

Inveja pouca é bobagem

Patrocínio