O Futuro da Tecnologia Pode Ser Obscuro, Mas Não Mais do Que o Das Empresas Que se Fecharem Para a Transformação Digital. O Que o Varejo Tem Feito Nesse Sentido?
O aprofundamento da crise pegava o varejo em cheio no terceiro trimestre de 2016 e no olho do furacão estavam as redes Casas Bahia, Extra e Ponto Frio, do grupo Via Varejo. À época, o grupo anunciava prejuízo líquido de R$ 156 milhões. E não à toa, o GPA, detentor da companhia, a colocou à venda. Um ano depois, o lucro líquido havia saltado para R$ 14 milhões, uma reversão estimulada principalmente pela transformação digital.
A Via Varejo tem hoje uma estrutura tecnológica 30% maior que em 2017, apostando em servidores de alta densidade, armazenamento de dados, conectividade em larga escala e multicloud – tecnologias com nomes que podem parecer distantes do comércio do dia a dia, mas que de fato estão fazendo a diferença para entender a cabeça do consumidor e organizar processos.
A integração do físico com o digital foi um dos principais responsáveis pela elevação dos resultados da Via Varejo ao longo deste ano. O Retira Rápido, sistema que permite ao consumidor comprar on-line e retirar na loja, corresponde a 28% das vendas on-line, impactando diretamente o GMV do e-commerce da rede, que cresceu 24,7% no terceiro trimestre deste ano.
Para 2018, a Via Varejo apostou em lojas menores que usam a tecnologia para reduzir espaço e ganhar eficiência. As novas lojas, chamadas de Smart, prometem ser 25% menores que as atuais. “Não é só redução de tamanho, mas racionalização. A ideia é fazer atendimento por um totem digital que vai permitir um serviço de consulta aos produtos mais eficiente”, afirma o diretor de TI da Via Varejo, Rodrigo Gosling.
Com a otimização da experiência do consumidor dentro das lojas, a Via Varejo quer ter mais informações sobre os clientes, acompanhando o trânsito deles na loja. Esse acompanhamento é feito pela rede Wi-Fi, conectada a uma interface que indicará aos gestores em um mapa de calor por onde eles andam. “Estamos buscando toda identificação do movimento de um cliente na loja para saber quais são as áreas de maior fluxo. Fornecer, desse jeito, mais inteligência para os nossos usuários para que tomem decisões assertivas”, explica.
Os transtornos vividos pela Via Varejo e a transformação digital que está ajudando a virar o jogo é exemplo de como o varejo pode se complicar se não acompanhar as mudanças no mundo digital. Também mostra que não é tarde para começar a mudança e que desempenhos ruins no ambiente on-line não devem travar a necessária transformação digital.
MAGAZINE LUIZA: O GRANDE CASE
As grandes redes estão puxando o movimento de transformação no varejo nacional, segundo o sócio da KPMG, Frank Meylan. Para o especialista, a transformação digital passa a ser “uma questão de relevância e sobrevivência. O varejo está percebendo que, se não investir em tecnologia, vai deixar de ser relevante para seus clientes”.
Nesse sentido, se existe um varejista que conseguiu inspirar o setor e mostrar que a transformação digital não é modismo, mas estratégia que gera crescimento, este seria o Magazine Luiza. Em 2015, o e-commerce do Magazine Luiza acumulava prejuízos. No terceiro trimestre de 2017, as vendas on-line cresceram 55,4% e já correspondem a 27,8% do total de vendas. O e-commerce está se mostrando o grande motor de arranque da rede e os aplicativos lançados já ultrapassaram a barreira dos 10 milhões de downloads.
Esse resultado é reflexo do posicionamento e do mindset da companhia, que afirma querer ser um negócio digital com pontos físicos e calor humano. A integração entre as lojas física e on-line, então, representa essa visão. A companhia trabalha com o Retira Loja, que permite aos clientes comprarem por meio das plataformas digitais e retirarem os itens em uma das lojas da companhia. A ferramenta reúne os produtos disponíveis nos nove centros de distribuição e conecta o backoffice da empresa às mais de mil transportadoras que prestam serviço para a rede.
O know-how no mundo digital e a capacidade logística deram ao Magazine Luiza confiança para avançar na transformação digital. A rede busca espaço agora no segmento de supermercados e hipermercados, apostando exclusivamente nas vendas on-line. “Esse é um segmento no qual vemos muitas oportunidades”, afirmou na ocasião do lançamento Eduardo Galanternick, diretor-executivo de E-commerce da empresa.
A transformação digital do grande varejista foi tocada principalmente pelo Luiza Labs, o braço de inteligência da empresa, que cria os aplicativos e os ambientes virtuais da marca além de conceber os projetos de inovação da companhia. Ali as ideias são desenvolvidas, transformadas em protótipos e testadas até serem integradas à rotina dos vendedores, estoquistas e gestores, mas principalmente ao cotidiano de compra das pessoas. Uma das soluções é o Pinpad, que permite ao vendedor concluir a venda do cliente de forma remota.
O WHATSAPP É SEU CONCORRENTE
O consumidor brasileiro, segundo Meylan, tem interesse pelas novidades e o case brasileiro da informatização dos bancos deve servir de exemplo para o setor de varejo. Apostando no digital, as instituições bancárias nacionais viraram referência. Os bancos tiveram de desenvolver aplicativos que contemplassem smartphones de todas as qualidades para que pudessem realmente democratizar o serviço de internet banking.
Para Carlos Valle, diretor do Segmento de Shopping da Linx, ao mesmo tempo que a tecnologia abre portas, ela força os negócios a se adequarem a ela. Ao mesmo tempo que o Google promove forças-tarefas para levar os pequenos e médios varejistas para dentro dos buscadores, ele também os obriga a acompanharem a mudança sob o risco de sumirem no meio das grandes marcas.
“O consumidor relaciona-se com você de maneira digital, independentemente de você ter e-commerce ou não. Ele procura endereço na internet e vê opiniões nas redes sociais. Posso dizer que não há opção em relação à presença on-line; ela é uma realidade inexorável”, alerta Valle.
Meylan, da KPMG, fala também sobre a proliferação de aplicativos e o desafio de se manter relevante diante de celulares abarrotados de jogos e ferramentas. “Venho discutindo com bancos e varejistas sobre como o consumidor lida com as limitações em seus smartphones. Ele vai liberar algum app para ganhar capacidade. O desafio é que seu app não seja o escolhido para ser apagado”, afirma.
O Pão de Açúcar tem usado aplicativos como principal plataforma para seus programas de fidelização e está personificando promoções. O cliente cadastrado pode ter acesso a preços promocionais de acordo com seu perfil de consumo, como se recebesse um encarte de promoção feito só para ele.
Para as redes Magazine Luiza e Via Varejo, o aplicativo virou uma forma bastante eficiente de integrar as lojas físicas e on-line, reunindo informações sobre o hábito de consumo dos clientes e otimizando o espaço físico das lojas. Com isso, a ideia é também liberar o vendedor para realizar um atendimento mais humanizado.
O DIGITAL A FAVOR DO ATENDIMENTO MAIS HUMANO
O grande pensador do Marketing 4.0, Philip Kotler, propôs a divisão do marketing no mundo digital em cinco partes. Assimilação, atração, arguição, ação e apologia. O estudo “Construindo um futuro digital com um toque humano”, da KPMG, destaca a importância dos dois últimos pontos. A ação refere-se à capacidade da marca em fazer o consumidor comprar e, mais do que isso, fazê-lo comprar mais vezes. A apologia, por sua vez, diz respeito à capacidade da marca de fazer com que o consumidor advogue a seu favor.
O estudo da KPMG realizado com consumidores americanos aponta quais aspectos mais influenciam a capacidade das marcas em estimular ação e apologia. Para que possam comprar, recomprar e advogar a favor da marca, os consumidores cobram principalmente eficiência e empatia por parte dos vendedores.
O uso de novas tecnologias no mercado americano, segundo o estudo, aumentou a eficiência dos comerciantes e também a capacidade de oferecer um atendimento mais afetuoso. “Isso mostra que manter um toque humano é tão importante agora quanto era antes para os melhores players”, conclui o relatório da KPMG.
O Brasil está demorando para fazer do vendedor uma espécie de consultor, como já acontece nos EUA. Meylan sugere que isso é fruto do atraso na modernização das lojas. “A gente ainda compra na loja física basicamente como comprávamos na década de 90. Muito pouca tecnologia foi inserida na loja física. Refiro-me à capacidade de rastrear o cliente dentro desse ambiente, de conhecer as posições da loja que são mais visitadas e comunicar-se com ele”, constata. Porém, o especialista da KPMG afirma que isso está sendo gradualmente consertado. “Estamos, de fato, vivendo a transformação”, anima-se.
SEM CAIXA, SEM FILA
O grupo Adeo, dono da Leroy Merlin, chegou ao Brasil, no fim de 2017, com a Zôdio, loja de objetos decorativos e produtos para o lar. Giovanni Montoneri, diretor de Inovação Digital da Zôdio Brasil, teve como principal desafio mostrar todo o potencial tecnológico que a marca se propôs a abraçar com um toque de humanidade. “Trabalhamos sobre o eixo people to people, em que não falamos mais sobre produtos, falamos sobre experiências de vida e criamos relacionamento humano”, explica.
Para deixar os clientes à vontade para aproveitarem o espaço, a marca implementará um terminal para pagamento sem a necessidade da intermediação humana. “Estamos implementando o self-checkout. Diferentemente de um PDV clássico, no self-checkout, nosso habitante (cliente) pode utilizar o caixa sozinho. Ele pode finalizar a compra usando apenas o aplicativo. Inscrevendo seu CPF, ele é reconhecido e depois passa o produto. Por fim, o sistema indica possíveis vouchers que tenha recebido em seu aplicativo, passa o cartão e vai embora”, detalha o diretor.
O self-checkout foi implementado de maneira mais impressionante pela Amazon Go, em Seattle, nos Estados Unidos. A gigante do varejo on-line percebeu que, mesmo com o crescimento das compras no ambiente virtual, ela precisa estabelecer-se no ambiente físico. A ideia é abrir 2 mil lojas no próximo ano com um conceito mais enxuto e veloz, mais próximo dos mercadinhos de bairro do que das grandes lojas.
A ideia é, também, reproduzir na loja física a tecnologia capaz de captar os hábitos de consumo das pessoas, o comportamento delas na loja e também os itens que estão sendo preteridos. O tráfego do cliente pela loja é acompanhado de perto por meio das câmeras e dos sensores. A ideia, no futuro, é avaliar reações corporais e faciais ao longo da experiência de compra.
Na Amazon Go, o consumidor não precisa pegar fila nem se dirigir a um caixa ou terminal automático. Por meio da tecnologia “Just Walk Out” (apenas vá embora), o aplicativo instalado no celular acionará o pagamento da compra no cartão cadastrado na conta da Amazon.
Porém, nem tudo são flores e eficiência na loja do futuro. O Wall Street Journal informou que algumas falhas estão dificultando a concretização da ideia revolucionária da Amazon. Há dificuldades dos robôs em acompanhar os movimentos humanos quando tem muita gente na loja, além de problemas em processar informações quando os produtos são tirados dos seus lugares na prateleira.
EXPECTATIVA X REALIDADE
Para o vice-presidente de varejo e distribuição da TOTVS, Ronan Maia, tecnologias como as usadas na Amazon Go são pílulas do que o futuro reserva, mas ainda não são realidade. Ele afirma que outras modalidades de identificação do cliente, por exemplo, são hoje muito mais eficientes.
Para o executivo, antes do uso de tecnologias mais avançadas, como o reconhecimento facial, é preciso fazer algumas lições de casa em termos de preparação para uma experiência totalmente digital. “As empresas estão experimentando (as novas tecnologias) e nós estamos procurando ensinar como isso pode se converter em vendas”, explica.
Uma das modalidades mais avançadas de tecnologia da TOTVS chama-se Carol, sistema de Big Data da empresa, responsável por processar uma massa muito grande de dados. Através de algoritmos, o robô prepara uma série de insights que, segundo Maia, um ser humano seria incapaz de produzir.
Um dos feitos mais notáveis de Carol é recolher e analisar dados dos programas de fidelidade que as empresas possuem e com os quais conseguem informações básicas de seus clientes. Ela trata de acompanhar a rotina de consumo das pessoas e oferecer, mais tarde, dados capazes de fazer sugestões mais assertivas.
UM ESPECTRO RONDA O MUNDO
Estudos oficiais indicam que, unidas ao Big Data, as ferramentas de análises de dados podem juntar informações fragmentadas e formar quebra-cabeças. Até 2020, mais de 16 zettabytes (16 trilhões de gigabytes) de dados úteis serão processados pelos robôs superinteligentes. O número de informações crescerá 236% ao ano no intervalo de 2013 a 2020, de acordo com dados do governo americano. Segundo o estudo, os dados serão utilizados de maneira cada vez mais natural e eficiente pelos diversos setores da economia.
Nos próximos anos, o consumidor não se surpreenderá quando for abordado pelo vendedor de uma livraria que tem na ponta da língua seus hábitos de leitura. Não será incomum lojas que se parecem cada vez mais com pequenos halls, vazios de produtos e com pequenas telas, onde o consumidor leva embora o que precisa sem precisar encarar nenhum caixa.
Haverá ainda o reconhecimento facial, lojas inteligentes que conduzem os seus consumidores aos corredores certos, além de todo tipo de e-commerce e marketplaces responsivos, entre tantas soluções que já estão disponíveis no catálogo de novos produtos das empresas de tecnologia. Quando isso virará realidade? Vai depender do arrojo do setor de varejo e da maneira como ele apresentará a tecnologia aos consumidores, transformando o temor e o receio em admiração e necessidade.
muito bom
OLÁ GABRIEL…………. AGRADEÇO SUAS PALAVRAS DE INCENTIVO E ESPERO CONTINUAR POSTANDO ASSUNTOS DO SEU INTERESSE ….ABRAÇO