Quem não conhece uma pessoa que nunca gosta de perder, nem mesmo no par ou impar para ver quem é o último a entrar na sala para o exame de próstata? Aquele cara que fala sozinho, numa boa, porque é o único com quem não discute. Esse cara é o Tectônio, apelido que carrega desde o colégio. Assim como as placas tectônicas terrestres, quando esbarra alguém, causa terremotos e estragos.
Certa vez, inimigos e desafetos (ele não tem amigos), resolveram elaborar uma lista com o que ele tem de bom, ruim e pior. As colunas ruim e pior encheram a página. Alguns consideraram “bom” ele ser podre de rico, fruto de herança bilionária, mas como ele é pornograficamente pão duro e jamais ajudou alguém, a coluna “bom” permaneceu vazia.
Tectônio é muito sensitivo, escuta até palavras que as pessoas fingem não dizer, mas usa essa faculdade só para proveito próprio ou para difamar os outros. Quando discute pontos de vista, nunca se sabe quem ganhou o debate, mas ele se contenta em deixar o interlocutor irritado.
Mora em um luxuoso apartamento, num condomínio de alto padrão, cercado de gente odiosa por todos os lados, como insiste em afirmar. A decoração é de mau gosto e está listada como ruim. Tudo em seu apê é automático, visando facilitar sua vida, pois as diaristas não costumam durar muito tempo no emprego.
No dia em que completou 48 anos, fez algo que foi considerado o ponto de virada em sua vida: ele ajudou alguém! Saiu cedo para caminhar e viu uma mulher cambaleando pela calçada. Amparou-a e deitou-a no gramado. Percebendo que estava grávida, pegou o celular e discou o número do Resgate. Mesmo com a linha cruzada e o forte chiado, foi direto ao assunto:
- Serviço de Resgate. Qual é a emergência?
- Aqui é Tectônio. Mulher cambaleando. Caiu na calçada. Estado crítico de grávida.
- Gente! Boas notícias: O Tectônio foi baleado, caiu na calçada e o estado é crítico e bem grave – gritou eufórico o sonolento e confuso atendente.
Tectônio não entendeu o motivo da euforia. A mulher segurou sua mão e disse que a bolsa tinha se rompido e a criança estava nascendo. O Resgate não demorou a chegar. Também chegaram a polícia, a imprensa e encontraram a mulher no gramado, exausta, coberta com um agasalho, mas feliz. Tectônio estava ensanguentado e com um bebê no colo envolto por sua camiseta.
Todos seguiram para o hospital. Mãe e filha foram internadas enquanto Tectônio prestava depoimento. A mulher simples, mãe solteira e desempregada, não cansava de agradecer o homem que salvou sua vida e a do bebê. Liberado, ele foi para casa, tomou banho e voltou ao hospital com presentes e enxoval completo para a criança, roupas e dinheiro para a mãe. Na tesouraria, pagou toda despesa. A imprensa noticiou o caso e pela primeira vez a matéria era favorável a Tectônio.
Percebendo que mulher e filha não teriam qualquer chance na vida, Tectônio alugou uma casa simples para elas e garantiu-lhes renda mensal e estudo para Demi (Demétria), a menina. Ela cresceu saudável e frequentou os melhores colégios, tudo pago pelo seu benfeitor. Tornou-se influenciadora digital e ativista em favor dos moradores de rua. Os desafetos notaram mudanças no comportamento do zangão e creditaram o fato ao nascimento da menina. O ponto de virada!
O tempo passou e no aniversário de 70 anos, Tectônio foi surpreendido pela festa organizada pelos vizinhos. Demi, agora com 22 anos, linda, meiga e muito bem vestida, beijou-o na boca e chamou-o de meu amor. Causou certo constrangimento, embora todos sabem que os bilionários um dia se casarão com quem hoje ainda usa fraldas. Num cantinho do salão de festas, alguém disse gentilmente a ele:
- Tec (apelido reduzido), ela é muito jovem para você. Não acha? Procure alguém da sua idade.
- Quem gosta de procurar coisa antiga deve se casar com uma arqueóloga.
No meio da festa surpresa, Tectônio passou mal. Um vizinho paramédico notou sintomas de AVC e levou-o imediatamente para o hospital. Ele foi direto para a UTI e permaneceu em coma por meses. Quando se recuperou, ainda no leito, recebeu visita dos vizinhos. O paramédico disse:
- Temos 3 notícias para você. Uma boa, uma ruim e outra pior.
- Comece pela ruim.
- Demi rapou sua conta bancária e passou o apartamento para o nome dela.
- Poxa, que ingrata! Qual é a notícia péssima?
- Você não está nada bem. Além do AVC, diagnosticaram câncer já com metástase, diabetes, problemas cardíacos e duas unhas encravadas. Disseram que você tem só 6 meses de vida.
- Caramba! E qual é a boa notícia?
- Bem, como hoje é feriado, o prazo só começa a contar na segunda-feira!
Tectônio teve funeral discreto e custeado pelos vizinhos. Demi não compareceu. Ela só dorme, bebe muito e não se dá com ninguém no prédio e na vizinhança. Nem com a mãe, que perdeu a casa e voltou para a rua. Nada é tão ruim que não possa ficar pior! Vida que segue.
Que azar da Demi, poderia virar Demo. Perdeu as chances.
Adorei o nome do Tec!!!
Obrigado, Marie.
Adoraria demonstrar que a frase: “Nada é tão ruim que não possa ficar pior!” não é verdadeira, mas nos dias de hoje essa demonstração está fadada a não acontecer.
KKK. Obrigado, Alemão. Acredite: tudo pode piorar. Sempre. KKK
Laerte, você conseguiu acostumar seus amigos e amigas com essa leitura divertida toda sexta feira. É um verdadeiro presente surpresa. Sem se repetir você nos proporciona, a cada semana, uma leitura totalmente diferente, absolutamente criativa e ainda por cima, divertida. Parabéns pelo talento.
ligado Deise, pelo incentivo e pelas correções.
Que notícia boa!!! São 6 meses e três dias!!! hh, muito bom Laerte
Obrigado, amigo. Abraço.
Tec azarado
Além de todos os problemas de saúde, unhas encravadas.
Obrigado Rô. Só quem nunca teve unha encravada acha graça. KKK
Né? Como sempre brilhante
O rei da soja disse: se eu posso ter uma de 18 pra qtue eu quero uma de70? Ela tbm vai ficar comigo por causa da grana
Kkkkk
Conheço o pai da Demi, não falo o nome mas dou uma dica: Não usa um dos dedos das mãos…
O Tec merecia um final melhorzinho.
Fiquei com pena, Laerte.
Enfim, vida que segue