Houve um momento na história dos celulares em que os Ring tones estavam na moda. Para quem não se lembra, Ring tones eram toques de telefone baixados e programados, um para cada chamador ou grupo. Variavam, de ruídos de animais, buzina de calhambeque, apito de navio, corneta, músicas populares, bregas, eruditas etc. Os toques de telefone diziam muito sobre a personalidade do usuário.
Na minha equipe, tinha um tal de Soraio, baita gozador! O Gerente não via comprometimento e não ia com a cara dele, mas a equipe reconhecia seus méritos. Para o guru de marketing Philip Kotler, ele não era um “adotante inicial”, que compra toda e qualquer novidade, assim que é lançada. Porém, após assistir uma peça teatral baseada em Ring tones, aderiu imediatamente. Baixou vários toques e atribuiu cada um a uma pessoa da agenda, só para se divertir, identificar e decidir se atenderia. Os primeiros celulares, analógicos, só faziam e recebiam chamados, isso se houvesse sinal. Não tinham identificador de chamada como os smartphones atuais e os Ring tones ajudavam saber quem ligava.
Para os amigos de infância, faculdade e baladas, “Deixa a vida me levar”, do Pagodinho. Para gente chata, “A mosca na sopa”, do Raul Seixas. Que música chata! Para chamadas da empresa, o refrão “Trabaia, trabaia nego”, da música “Terra Seca”, de Ary Barroso. O Gerente, boçal e sem noção, era identificado com a “Cavalgada das Valquírias”, de Wagner, compositor preferido de Hitler. Lembram? Ta ta ta tá ta, ta ta ta tá ta. Tétrico! A sogra querida foi contemplada com “A marcha fúnebre” de Frédéric Chopin e a quase ex-esposa, “Você não soube me amar”, da banda Blitz. Quando seu celular tocava, sabíamos quem estava chamando e ríamos muito!
Quando chegou a nova Advogada, o coração de Soraio disparou. A doutora Alfreda foi seu grande amor da juventude. Eles se distanciaram e hoje vivem relações complicadas. Alfreda, cuja prima Vera é esposa do Gerente chato, recebeu o Ring tone A Cúmplice, do Juca Chaves, cuja letra descreve a mulher desejada: Alguém de coloridos modos, fina transparência, uma elegância nua, o mágico fascínio, o cheiro das manhãs. Tudo o que Alfreda representou para Soraio na juventude! Como era bom ouvir A Cúmplice e saber que era Alfreda chamando. O mundo parava, os ruídos cessavam, os passarinhos cantavam. Eram momentos mágicos.
Se seus Ring tones fossem um disco de vinil, as faixas Terra Seca e Mosca na Sopa estariam desgastadas pelo uso e a faixa de Wagner estaria arranhada pelas mãos de Soraio. Quando estava aborrecido, o motivo normalmente era a ausência do toque A Cúmplice. Maroto, ele ligava para Alfreda e desligava em seguida, só para que ela retornasse. Bons tempos.
Durante uma reunião monótona (todas são), Soraio foi ao banheiro atender a um chamado intestinal de emergência e esqueceu o celular sobre a mesa. A copeira trouxe café, o diretor determinou pausa de dez minutos e alguém pegou o celular desbloqueado de Soraio: Ritinha, invejosa e complexada, fraca de feição, sem namorado e colega de academia de Jaima, a esposa de Soraio. Ela é tão desabonitada e desiludida que seu Ring tone, para todo o público masculino era Ninguém me ama, ninguém me quer, da Maísa. Ela fuçou o aparelho e tocou os Ring tones.
Constrangimento geral. Todos ouviram os toques conhecidos da equipe, mas não por Ritinha e pelo Diretor, que perguntou: o que é isso?. Em minutos, o esquema de Soraio foi desmascarado e Jaima soube da Cúmplice pela invejosa Ritinha. Ele quase foi preso quando a Polícia viu que o Ring tone do cliente Governo Federal era: “Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão!”
Soraio e Alfreda foram chamados à sala do Gerente. Toda a empresa apostava em demissão por justa causa, mas a Advogada ameaçou revelar que o Ring tone “Fogo e Paixão”, do Wando, não era apenas para a esposa. Quando seu telefone reproduzia “Meu iaiá, meu ioiô”, era Alípio, seu motorista, o “Ioiô”, que chamava para agendar encontro. Após acordo amigável, Alfreda e Soraio, receberam polpudas indenizações em troca do silêncio sobre “meu iaiá, meu ioiô”.
O tempo passou, a tecnologia evoluiu para smartfones digitais com múltiplas funções, que às vezes são usados até para telefonar. Ninguém baixa Ring tones, pois os aparelhos modernos vêm de fábrica com dezenas de toques.
Eu também usei alguns Ring tones, mas desisti depois que Soraio deixou a empresa. Perdeu a graça, dava trabalho e era arriscado. Hoje uso pouco. O Gerente e Alípio se assumiram e foram viver na Paraíba, de boa. A prima Vera e Jaima moram juntas. A chata da Ritinha continua só. Ninguém a ama, ninguém a quer. Antes que alguém pergunte onde anda a Cúmplice, aquela que sabe dar jeitinho em tudo o que fizer, bem, aquele Ring tone continua sendo o preferido de Soraio, mas toda noite ele e Alfreda se amam, ao vivo e em cores, no seu novo lar. Como diz a música, “de dia uma menina, de noite uma mulher”. Agora vou interromper porque meu celular está chamando. É o Ring tone da patroa. Melhor atender logo! Vida que segue.
Crônica leve e divertida.
Obrigado, Rô.
Hahahaha!
Vou baixar a música “Sorria para a vida…” de Silvio Santos para identificar quando chegarem suas crônicas.
Parabéns e obrigado por alegrar nosso fds.
KKK. Obrigado, Pascoal.
Parabéns Laerte, muito criativa, complexa em detalhes e mesmo assim, clara e objetiva.
Obrigado pelo incentivo, Deise.
Me fez recordar de alguns Ring tones que usei, mas é melhor para por aqui … me diverti Laerte, gratidão por mais essa
Obrigado prof. Alemão. Forte abraço.
Ótimos os nomes dos seus personagens e sua inspiração para temas tão diversos!
Muito bom, Laerte.
E vida que segue