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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

A galinha do santo

Final da ditadura, os jovens ouviam Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana e Titãs, as máquinas de eletrônicas, principalmente os fliperamas eram a diversão dos garotos.

Eu sempre observava aquelas máquinas e pensava: “Um dia ainda jogarei em uma máquina destas”.

Havia diversas casas de fliperama e eu ficava ali por horas olhando as pessoas jogando, em algum momento o proprietário dizia: “Sai de cima, deixa o cara jogar! Sai fora garoto!”

Aos 12 anos comecei a trabalhar na feira-livre e comecei a ter um pequeno salário que recebia ao final da semana, no domingo.

Minha mãe tinha 5 filhos e todos criados por ela e eu tinha que levar a mistura para casa e como era mais barato, sempre comprava um frango. Esta era a minha obrigação, porém, as máquinas de fliperama me deixavam maluco e um dia não resisti à tentação.

Entrei em um bar e disse com uma entonação de voz característica de quem conhece muito a situação: “Ei, senhor, me dá uma ficha de fliperama!”

Comprei a primeira ficha e comecei a jogar, eu pulava de alegria ao redor da máquina, me sentindo efusivo, radiante, e, segundos após, por inexperiência do principiante, veio a segunda, a terceira e assim seguiram-se as ordens numéricas até que os parcos recursos foram se esvaindo.

Um senhor embriagado observava meu comportamento, trajando uma bermuda surrada, uma camiseta de um candidato de longa data e uma sandália nordestina, chamada carinhosamente de “percata”, essas que lembravam os pés de Lampião e ele bradou: “Isso não vai acabar bem, moleque é a peste, deve estar gastando o dinheiro da mãe. Vá para casa peste!”

Eu, no alto do meu orgulho, mesmo com os parcos recursos, resolvi afrontar o ébrio e resolvi comprar a última ficha, como se fosse uma resposta à altura das provocações.

Todavia, tudo que é bom, uma hora acaba, porém, acabou rapidamente e me vi com um dilema terrível, qual mistura comprar, restara a tal cartela com 20 ovos, o frango seria impossível, isso na época do cruzeiro.

Passei correndo em uma avícola e com as portas sendo arreadas, dei um pulo e entrei, como nos filmes de ação, pois sabia que a surra seria garantida se chegasse sem a mistura em casa.

No caminho para casa, ora caminhava, ora queria parar e se sentar na calçada, me lamentando por ter gastado o dinheiro da mistura e pensando na surra que iria levar. Não conseguia dar dez passos sem a interrupção e os lamentos.

Nesse interim, a caminhada de 5 minutos durara cerca de 20 minutos, pois em alguns momentos pensava em entrar escondido em casa e vestir outra calça por cima da que estava vestido para que a cinta não doesse tanto, noutro momento pensava em chegar e me entregar logo, como um criminoso, dizendo: “Gastei o dinheiro da mistura, foi eu! Gastei todo o dinheiro no fliperama e só consegui comprar ovos para o almoço!

Porém, para minha surpresa, ao chegar em casa, todo desconfiado e tentando pensar em uma história para explicar os ovos no domingo, vi na pequena cozinha, uma galinha amarrada ao pé da mesa e para não dar ensejo às perguntas, corri e coloquei um caldeirão de água no fogo e gritei: Mããããe… adiantei aqui, coloquei a água para tirar as penas da galinha.

No que aparece a minha mãe correndo e assustada, com os olhos salientes e me interrogando: “Tu tocaste nessa galinha?” No que rapidamente respondi: Não mãe, por quê?

Mais que rápido veio a resposta: “Trepeça, essa galinha é do santo tu não toques nela que tua vida anda pra trás meu fio”.

Pela primeira vez em minha vida, tive uma voz ativa e falei em alto e bom som em casa: O santo que coma ovo, pois eu vou comer a galinha!

Sendo assim, apanhei logo e comemos uma bela omelete naquele domingo.

Autor:

Adalberto Conceição de Menezes

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