Não todo patrimônio de um lugar é impregnado somente de história ou cultura. Persiste em nós a leda ideia de que o novo deve sobrepor o antigo para que o mundo alcance melhorias.
Tal concepção, altamente simbólica, revela a percepção coletiva em relação ao que é antiquado, ao que se desgasta ou se torna desagradável aos olhos da inovação. Tenho a impressão de que essa ideia, enraizada na sociedade como uma verdade benéfica, será o fator que precipitará a decadência do mundo.
Os inúmeros exemplos de patrimônio que testemunhamos ao longo do tempo, aqui, ali, acolá, sendo destruídos em nome do novo, refletem essa realidade. Contudo, para além dos conceitos patrimoniais, nos quais historiadores dedicados batalham tenazmente para preservar, outro patrimônio é alvo diário de ataques diante de nossos olhos: o patrimônio afetivo, construído a partir dos sentimentos de pertencimento que cultivamos durante nossa jornada neste mundo.
Esse é um tipo de herança que transcende a definição previamente estabelecida. Em cada cidade, seja ela rural ou urbana, à beira da praia ou no sertão, nas montanhas ou junto ao mar, as comunidades se desenvolvem culturalmente por meio de um viés emocional em relação às suas gentes, às suas riquezas naturais, culturais, ou às riquezas afetivas que permeiam nosso imaginário poético.
Entretanto, mesmo compreendendo a inevitabilidade de destruir um patrimônio em prol de estratégias, administração, segurança, ou qualquer outro desígnio, isso não desvanece a melancolia que paira sobre nossos corações como uma névoa persistente.
É como se a alma da cidade, impregnada de memórias e vínculos afetivos, chorasse silenciosamente, testemunhando o desmanche de sua própria história.
Nesse triste espetáculo, cada tijolo removido, cada pedaço de história apagado, é um eco lúgubre, um suspiro daquilo que um dia foi e não será mais. As ruas, outrora testemunhas silenciosas de risos, amores e desventuras, agora ecoam o vazio deixado pela intervenção impiedosa do progresso.
A arquitetura que, um dia, foi o espelho da identidade da comunidade, agora se desfaz como um poema desgarrado, perdendo as estrofes que contavam a saga daqueles que ali viveram.
Assim, mesmo sob o manto justificador da modernidade, somos deixados com a sombra da saudade, uma tristeza que não se dissipa com o argumento pragmático da necessidade.
A cada pedra retirada, a cada traço de história apagado, sentimos a perda não apenas no concreto, mas na essência, na alma que se despedaça junto com as estruturas desmoronadas.
A melancolia, então, torna-se um lamento silencioso, um canto fúnebre entoado pelos corações daqueles que veem seu patrimônio afetivo despedaçado sob o implacável avanço do tempo.
Autor:
Professor Julênio Braga Rodrigues. Pedagogo, Mestre em Gestão pública, Doutor em Educação