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sábado, 16 de novembro de 2024

Crônicas de Quarentena: Vida à deriva

Segunda-feira, um dia normal, com sol à espreita, carros nas ruas, pessoas apressadas, um conhecido aqui, outro ali, cumprimentos? O que é isso?

– Tô atrasada, meu amigo! Tenho que levar as crianças à escola e estou atrasada para o trabalho, um outro dia nos falamos. Assim segue a vida de milhares de pessoas. Com pressa, sem tempo para nada ou melhor para tudo, menos o essencial. Muito trabalho por fazer, e o chefe cobrando os prazos, tempo apertado e a ansiedade que grita dentro de mim. – Espera! Tenho uma solução: meu rivotril sublingual, certeza, meu melhor amigo nos últimos tempos. Pronto, agora sim, entrego tudo no prazo. E o dia termina assim, depois de um caos de papeis, reuniões intermináveis, e uma ansiedade que me chama para a vida, mas que eu a calo, pois não tenho tempo para isso. Fim de tarde e a volta para casa eu nem vejo. – Virei à esquerda ou à direita? Meu cérebro tão automatizado faz por mim, sem precisar de minha autorização consciente. Trânsito caótico que me possibilita ouvir aquela música que há tempos não ouvia, mas é tanto barulho que desisto disso. – Silêncio, por favor, Vida! Chego em casa querendo minha toalha limpinha e uma ducha quente para esquecer todo aquele dia, e de repente surge um decreto: Quarentena de 15 dias! Diz o governador.

Um virús que fez o mundo todo parar – Espera, agora eu vou ter tempo para fazer as coisas que eu não tinha tempo! Ai, me esbarro em um problema, diz o decreto: é preciso distanciamento social. Distância de 2 metros do outro, nada de abraços ou apertos de mãos, conversar, só se for por telefone, vídeo ou mensagens. – Mas espera: a gente já não fazia isso antes? Nós não tínhamos tempo antes mesmo. Higienize suas mãos sempre, utilize álcool gel, deixe ventilar sua casa, e fique em casa.

Nos últimos dias é o que mais se ouve, notícias ruins na televisão e nos jornais também, o que não difere tanto dos outros dias, com uma exceção, agora é o mesmo motivo em todo o planeta. Curioso como uma quarentena motivada por uma precaução: a não disseminação de um vírus, faz as pessoas repensarem que não se conhecem, como a solidariedade esquecida dentro de

nós, salta gritante ao mundo, um ‘Parabéns’ a uma menininha em um prédio, triste por não poder fazer sua festinha, um jovem que faz as compras para seu vizinho idoso, que antes, nem mesmo seu nome sabia. Palmas aos profissionais de saúde, que antes eram criticados pelas enormes filas nos hospitais. Voluntários surgindo aos montes. Em tempos em que não se pode expressar afeto físico, o afeto virtual travou a internet.

Um vírus que fez repensar o dia a dia, a falta, o amor, a solidariedade e a fraternidade. Será que ele é mesmo tão ruim assim? A valorização das pequenas coisas se tornou grandiosa, a privação deu lugar ao afeto, antes esquecido. – Ah, meu rivotril? Esse eu não esqueci, mas agora utilizo por outro motivo: Quero ser livre, quero sair, quero ver a vida, que antes eu pedia silêncio, agora, esse mesmo silêncio me assusta. Ai, para me distrair vou procurar aquele presente dado com tanto afeto, por uma amiga, que eu nunca usei, mas espera onde ele está? Tão bem guardado, esquecido no fundo da gaveta que nem me fez falta, ou seria, a necessidade de me sentir perto me fez lembrar dele? Poxa! Não deveria ser assim, me desconheço, me sinto uma estranha em mim mesma.

Tanto tempo de sobra que nada posso fazer, um tempo que assusta, me faz olhar para dentro e me perceber uma estranha presa a mim mesma, sem noção de quem eu sou. Quarentena que faz saltar os olhos para questões além de um vírus. E como diz a música do Rosa de Saron “O sol ainda brilha lá fora”. Portanto, ainda dá tempo, arrume tempo para viver antes que você seja visitado por ele. – É meu amigo, não somos sozinhos, somos uma coletividade! Mas fique em casa, por enquanto.

Autora:

Elaine Aparecida da Silva

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