A senhora das Pitangas João Bosco de Sousa Rodrigues
Uma história de assombração, que fazia medo, era contada por pessoas mais velhas, durante a noite, nos alpendres de casas das fazendas, a toda criançada que ficava a escuta, sentada ou deitada nas esteiras nos terreiros, no tempo de lua que se escondia no horizonte, na escuridão da noite. Mas só com um foco de luz de um candeeiro dependurado numa janela.
Na fazenda do sítio Pau Amarelo, de propriedade de Expedito Caatingueira, o construtor, quando nessas horas, contavam histórias de arrepiar os cabelos das crianças ou até mesmo dos trabalhadores da fazenda que ali permaneciam no tempo de limpar as plantações leguminosas. Logo ao anoitecer ou no calar da noite, Ademar, seu Joaquim e até mesmo Expedito Caatingueira, sentados num banco e em cadeiras de couro de boi, contavam histórias que faziam as crianças correrem logo para se esconderem nas redes antes de que a história terminasse. Ouviam-se contos como a Bola de Fogo, que corria nos caminhos atrás de um menino que ia buscar água no açude, O Velho Matador de Onça, da Mula sem Cabeça ou o Laço de Pegar Três. Estas muito mal-assombradas. E outros contos eram assim proferido por aqueles.
Mas, a história que se narra de agora em diante, é durante o dia e na cidade, num ambiente público, numa sexta-feira, onde pessoas de maioridades buscam colocar em dias suas obrigações com o fisco. No Ministério da Fazenda, órgão Receita Federal, em Juazeiro do Norte, Ceará, quando no meio à muita gente que ia tirar o CIC, Cartão de Identificação do Contribuinte, atualmente CPF, Cadastro de Pessoa Física, uma senhora sozinha entra na repartição; chega sua vez, apresenta seus documentos. Esta senhora é atendida por um dos funcionários da Receita Federal, o conhecido Arlindo*, que ao lado de um de seus colegas, também funcionário que o observa e ver de perto qual senhora está sendo despachada pelo Arlindo. Uma senhora um pouco estranha, sua fisionomia facial semelhante a uma pessoa de olhos brancos, nariz afilado, cabelos estirados, lisos e duros, como de uma peruca, com palidez, um vestido de malha fina e quase velho ou carcomido pelo tempo e o sol do sertão seco; ela ainda bem calma e de olhos fixos sem pestanejar diante da pessoa que lhe preenchia num formulário os dados de seus documentos.
Arlindo, então, pede informações de sua residência:
– Onde a senhora mora? Qual o seu endereço?
Ela fala de um modo como se uma voz fosse doutro mundo, bem seca e um pouco rouquenha, quase sem abrir a boca ao se pronunciar. Diz bem baixinho:
– Mooro na Palmeirinha, bem perto de …
O atendente da repartição pública, a interrompe e diz para a senhora:
– Eu sei onde é; faz muito tempo que andei por lá. Eu era menino. Lá tem muito pitangas, não tem? Gosto demais de pitanga como tira-gosto pra cachaça.
Nisso o Alindo já terminara de preencher os dados do documento CPF, e disse para ela:
– Vou lá domingo pegar umas pitangas, posso ir?
– Siim, poode, vaá.
A senhora em foco, sendo observada pelo atendente Arlindo e o seu amigo, o conhecido Caatingueira, que também acompanhava o Arlindo nas cachaças, recebeu a devida documentação, e, sem mais nem menos, virou-se as costas e saiu lentamente, caminhando. Seu vestido longo, um pouco abaixo do meio das canelas, andava ela como se não tivesse os pés ou só com o vestido solto no ar.
Ela, então, desapareceu antes que saísse pela porta, de repente sumindo-se da vista dos seus observadores. O Caatingueira assistiu à esta sena horripilante, e perguntou ao Arlindo se ele ai lá mesmo, na Palmeirinha, buscar pitangas na casa daquela mulher.
– Vou. Ora se não vou. Disse o Arlindo, e foi no domingo.
Na segunda-feira chega Arlindo ao trabalho, assustado, dizendo que teria ido na Palmeirinha, à casa da senhora das pitangas. Lá chegando, deu bom-dia aos moradores, comentando que viera buscar a fruta petisca das cachaças do Arlindo e qual moradora teria ido na sexta-feira tirar seu CPF. Seus familiares, então, até estranharam-se com o sucedido. O Arlindo ouviu o que lhe disseram da senhora que ele a conheceu na Receita Federal, falaram para ele:
– Ela já morreu, tá com mais de dez anos!
Autor:
João Bosco De Sousa Rodrigues