Lemos em alguns sites recentemente[1] que a ministra de Estado (Igualdade Racial) Anielle Franco afirmou que o termo “buraco negro” – que define uma região no espaço com campo gravitacional tão intenso que também absorve a luz – é “racista” porque tem “negro” na palavra.
Não há dúvidas de que misturar política e ciência é algo muito ruim de se fazer. Respeitamos muito pessoas do quilate de Anelle Franco e a luta pela igualdade racial, mas a ciência não ganha absolutamente nada com esse excesso de pragmatismo promovido tanto pela esquerda quanto pela direita e, que pairam, não raras as vezes, o absurdo argumentativo, uma espécie de “chapéu de Merlin” como, por exemplo, dizer que a referência ao objeto astronômico (black hole) buraco negro é uma expressão racista. A perspectiva de que com isso se está agindo dentro do padrão “politicamente correto” é um verdadeiro perigo para a liberdade de expressão necessária para um livre mercado de ideias da ciência, da cultura e de toda e qualquer expressão que não tenha a violência física como mote[2].
Já imaginou, um professor ser acusado por colegas, alunos ou pais de ser racista por usar a palavra buraco negro em uma aula de física qualquer? Será que Stephen Hawking, reconhecido internacionalmente por sua contribuição à ciência, dentre elas, o estudo dos buracos negros, sendo um dos mais renomados cientistas do século era racista? Aliás, o movimento do politicamente correto empareda o debate e ameaça à liberdade intelectual, dando munição argumentativa aos conservadores para atacar agendas onde a esquerda é, particularmente, intolerante. “Palavras ferem”, dizem por aí.
A visão do “politicamente correto” que patrulham lugares como as redes sociais, a mídia, as universidades (públicas e privadas) provocam radicalismos. Inflamam sensos de fanatismo (de esquerda e de direita), aumentam o assédio e intolerância. Na verdade, todos sabemos uma coisa com a experiência de vida: sempre haverá alguém que se ofende com aquilo que nós dissemos.
E um detalhe muito importante que as vezes é esquecido, o “politicamente correto” incentiva a infantilização das pessoas, funcionando como um convite para não se debater o tema dentro do mercado livre das ideias. Entendemos que a melhor resposta a um discurso hipócrita e mentiroso é um bom debate ou discurso contra argumentativo da persuasão. É dizer, o contraditório, mesmo que um lado esteja equivocado, eleva a qualidade do conhecimento e promove, principalmente, o ceticismo, a independência e a liberdade do pensamento.
Desse modo, do ponto de vista democrático, um “argumento melhor” é sempre mais libertário do que a censura ou a repressão (prévia ou posterior) do argumento discordante e ofensivo. A variedade de perspectivas sobre qualquer tema (direito, economia, política, religião etc.) é infinitamente melhor do que o atalho do “não quero saber”, utilizado de maneira histriônica pela recente cultura do cancelamento[3].
Em outras palavras, não devemos confiar a liberdade de expressão e o que se encaixaria naquilo a ser considerado politicamente correto nem a direita e nem a esquerda (muito menos ao Estado). Deve-se, por outro lado, acreditar no mercado livre as ideias e este mercado deve ser aberto a todos como estímulo ao pensamento crítico, independente da perspectiva.
Autores:
Diego Renoldi Quaresma de Oliveira é Advogado criminal, professor, palestrante e autor de livros e artigos sobre Direito Penal, Direito Processual Penal e liberdade de expressão.
Fernando Cesar de Oliveira Faria é Advogado, especialista e mestrando em Direito Penal.
[1] Dentre todos ver: Termo “buraco negro” é racista, diz Anielle Franco. Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/termo-buraco-negro-e-racista-diz-anielle-franco/.
[2] Sobre o tema, ver: OLIVEIRA, Diego Renoldi Quaresma de. A liberdade de expressão e suas consequências. Disponível em: https://jornaltribuna.com.br/2022/12/liberdade-de-expressao-e-suas-consequencias/ .