O crescimento da violência contra a mulher acende um alerta para a segurança pública no Brasil. Um dos casos mais recentes aconteceu com a apresentadora Ana Hickmann que sofreu uma agressão do marido e o denunciou à polícia. As estatísticas apontam que muitas mulheres sofrem violência doméstica diariamente, – ano passado segundo levantamento da Rede de Observatórios da Segurança, uma mulher foi vítima da violência a cada quatro horas – mas muitas não denunciam os agressores. No Rio de Janeiro, só no primeiro semestre de 2023 foram 16 mil ocorrências segundo as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM).
A criação da Lei Maria da Penha (nº 11.340), em 7 de agosto de 2006, criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo medidas de assistência e proteção às mulheres. Em seu Art. 7º a Lei descreve as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher que são: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Mas mesmo com a criação da lei para prevenção da violência doméstica, há ainda muita luta pelos direitos e pela garantia da integridade feminina. Diariamente casos de violência contra a mulher são veiculados na mídia e necessitam de um olhar apurado e rápido pelo viés policial, jurídico, da assistência social e saúde mental.
Na maioria dos casos de violência os responsáveis são os companheiros ou ex-companheiros motivados por ciúmes, brigas, não aceitação do fim do relacionamento ou outros motivos.
No entanto, além das agressões, os casos de feminicídio também crescem no Brasil. Segundo o Monitor da Violência foram 1,4 mil assassinatos em 2022, quando o país bateu o recorde de feminicídios. Isto é, a cada seis horas uma mulher foi morta no país.
Isso mostra que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. Ao longo do tempo, os movimentos feministas trouxeram à tona a sociedade patriarcal existente e que vem aos poucos se modificando.
A divisão de tarefas e papeis inicialmente desempenhados por homens e mulheres transformou-se histórica e socialmente em relações de poder estanques, colocando a mulher muitas vezes em situação de submissão e de risco emocional, financeiro e de vulnerabilidade frente ao risco de sofrer lesões graves e até de morte.
Ao longo do tempo, a mulher ingressou no mercado de trabalho e não se submete mais de maneira tão silenciosa ao poder masculino, como era comum antigamente. Embora o conceito de ‘violência contra a mulher’ seja frequentemente usado como sinônimo de violência doméstica e de gênero, é crucial destacar as diferenças entre ambas.
O primeiro conceito está associado ao fato de o ato ocorrer no ambiente doméstico, enquanto o segundo amplia essa perspectiva, incluindo crianças e adolescentes como vítimas. Também é comumente utilizado como sinônimo de violência conjugal, abrangendo diversas formas de violência relacionadas a questões de gênero e poder. Isso engloba a violência perpetrada pelo homem contra a mulher, a violência praticada pela mulher contra o homem, a violência entre mulheres e entre homens (Araújo, 2008). Portanto, a violência contra a mulher é considerada uma das principais manifestações de violência de gênero.
Segundo o Manual Pluridisciplinar do Centro de Estudos Judiciários em Portugal, que aborda processos e dinâmicas abusivas, as vítimas de violência doméstica (VD) enfrentam ameaças à sua segurança ou vida de forma contínua, geralmente múltipla, e frequentemente mantida em segredo por anos. Compreender as “dinâmicas da violência doméstica” e seus efeitos é essencial para oferecer um apoio adequado às vítimas e facilitar sua colaboração com o sistema judicial e de apoio.
O manual destaca critérios cruciais para avaliação pericial dessa violência: a maioria das vítimas permanece em relacionamentos baseados em dependência financeira e emocional, resultando em ciclos de violência. Na maioria dos casos, a violência é cometida por maridos e companheiros, seguindo um padrão cíclico conhecido como “ciclo da violência”. Relacionamentos abusivos apresentam fases de tensão, explosão e lua de mel, com promessas de mudança frequentes por parte do agressor, seguidas por manifestações de afeto de curta duração, o que muitas vezes contribui para que a mulher permaneça durante muito tempo vivenciando uma relação violenta, que tende a se agravar.
A consequência deste ciclo resulta muitas vezes na perpetuação de relações violentas, com consequências graves, incluindo a morte da mulher. Em uma cultura machista, a violência contra a mulher é frequentemente minimizada como um conflito de casal, especialmente quando não causa lesões graves.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) estabeleceu normas na resolução 08/2020 sobre o exercício profissional da Psicologia em relação às violências de gênero. O CFP destaca a importância de os profissionais estarem cientes dos cinco tipos de violência contra as mulheres descritos na Lei Maria da Penha, considerando aspectos sociais, culturais, econômicos, subjetivos, vulnerabilidades e riscos enfrentados por essas mulheres.
O documento ressalta a necessidade de identificar sinais de violência e intervir para auxiliar as mulheres a desenvolverem condições para evitar ou superar a situação. Destaca ainda a importância da escuta de todos os envolvidos para obter uma visão abrangente do conflito e da dinâmica em questão.
Autora:
Andreia Calçada é psicóloga clínica e jurídica. Perita do TJ/RJ em varas de família e assistente técnica judicial em varas de família e criminais em todo o Brasil. Mestre em sistemas de resolução de conflitos e autora do livro “Perdas irreparáveis – Alienação parental e falsas acusações de abuso sexual”.
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Mulheres, não se calem, não se escondam.