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sábado, 22 de junho de 2024

Rostos invisíveis, vidas inesquecíveis: crônicas das pessoas esquecidas

Estacionada em frente ao hipermercado onde esperava sua irmã voltar com as compras, Ana observou que ao redor do estacionamento onde estava havia muitos pedintes, pessoas uniformizadas que eram do serviço de limpeza, mães com seus filhos de colo pedindo para vigiar seus carros.

Ana, então, resolveu sair do carro e dar uma volta à pé para olhar mais de perto aquele cenário que se desenhava à sua volta e ficou consternada ao perceber que aquelas pessoas que estavam ali eram invisíveis diante da sociedade.

As pessoas, atarantadas em suas vidas atribuladas, não enxergavam naqueles pedintes um ser humano que carecia de atenção e respeito; as mães que vigiavam os carros, com seus filhos de colo, e seus olhares que transbordavam as dores de suas almas, eram invisíveis aos olhos daquela multidão que circulavam em seus carros de luxo, carrinhos recheados de compras e dentro de si a mais pura indiferença com o outro.

Ana sentou-se no meio fio e desejou não ter assistido àquelas cenas, mas era algo que ela não poderia deixar de notar, mesmo que tivesse dentro de si tantas preocupações e problemas do seu dia a dia.

Ao ver o pessoal da limpeza, lavando o hall da entrada do hipermercado, levantou-se e foi ao encontro deles. Chegando lá, puxou conversa com um deles, e se apresentou com uma pesquisadora e perguntou se ele estava disponível para uma conversa sem compromisso.  Surpreso, ele tirou seu avental e voltou sua atenção para Ana e ele era de uma extrema simpatia.

Conversa vai e vem, Joãozinho, como era chamado por seus colegas de turma, abriu seu coração e disse que seu trabalho, como o de qualquer pessoa, era seu ganha-pão e muitas vezes ficou cabisbaixo no seu serviço, principalmente naquele local onde por diversas vezes ouvia piadinhas ou comentários maldosos do tipo: “não sei porquê lavam isto aqui a esta hora!”; “como podem limpar este lugar em que  podemos cair a qualquer momento?” e por ai vai.

Joãozinho narrou que mesmo ouvindo comentários daquela natureza, buscava não dar vazão a eles que, de alguma forma, tentavam desmotivar e desmerecer seu árduo trabalho e continuou dizendo que muito menos deixava de dar o seu melhor no seu serviço, mesmo sendo difícil de ouvir aquilo tudo.

Ana, enternecida com o depoimento de Joãozinho perguntou a ele se poderia dar-lhe um abraço e agradecê-lo pelos serviços prestados. Imediatamente Joãozinho abriu aqueles braços largos e disse que era o melhor presente que havia recebido naquele dia porque finalmente ele havia deixado de ser um zé ninguém diante de tantas pessoas.

Ao cessar o abraço dado em Ana, ele começou a rodopiar o rodo, sua ferramenta de trabalho, e ensaiava uns passinhos de samba e se atrevia a dizer que, mesmo com tantas atribulações, era um homem de sorte porque tinha pessoas esperando por ele quando chegava em casa: sua esposa e quatro filhos.

Ana ficou encantada com aquela energia que emanava de Joãozinho e perguntou se poderia ajudá-lo com alguma coisa. Ele, rapidamente, respondeu que ele tinha tudo que precisava e agradeceu beijando a mão de Ana. Um homem muito cortês e de bem com a vida, mesmo não sendo reconhecido por suas qualidades.

Ana se despediu de Joãozinho e se pôs a caminhar para seu carro e, claro, durante o trajeto, encontrou uma mãezinha com seu filho de colo pedindo uma gorjeta por ter vigiado seu carro. Ana olhou ternamente para ela e se apresentou tirando do bolso uma cédula de cem reais e passou àquela mulher que carecia de ajuda e atenção. Ao receber aquela quantia, a mulher que acalentava seu pequeno de colo que chorava por estar cansado, com calor ou até mesmo com fome, chorou copiosamente e, inocentemente, disse que não tinha como trocar aquela quantia. Ana, muito comovida, falou à mulher que não precisava trocar o dinheiro, mas que aceitava um abraço dela. A mulher abriu seus olhos lacrimejados e perguntou à Ana se era de verdade aquele pedido, o que Ana acenou positivamente com a cabeça. A mulher abriu um sorriso largo e Ana pôde sentir naquele abraço o sofrimento daquela mulher.

O abraço dado por aquela mulher a Ana a fez sentir que o Universo estava em festa por aquele momento de pura empatia e reconhecimento do outro.

Ana dirigiu-se ao seu carro e sua irmã chegou logo em seguida e quis saber qual o motivo de ter tanto brilho nos olhos e sorriso tão largo, ao que Ana respondeu: Eu me vi no outro e isso foi uma experiência incrível!

Autora:

Patricia Lopes dos Santos

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