Altônia-Paraná, 15 de agosto de 2023
Ednelson Garcia[1]
Em 1827, Dom Pedro I decretou que aquele que concluísse os cursos de ciências jurídicas e médicas no Brasil deveria ser tratado como “Doutor“. Médicos e advogados continuam sendo chamados assim por tradição. Por outro lado, houve uma época em que, mesmo sem que houvesse uma lei substancial para isso, os professores eram tratados como “Mestres”, isso porque, etimologicamente, “Mestre”, deriva do latim “magister”, que significa professor, ou seja, aquele que professa algo, que se dedica à arte de ensinar.
Com o passar dos séculos, com o advento de ideias pseudofilosóficas, acerca da educação, de que o professor não era mais detentor do conhecimento, mas sim um agente dele e, que o aluno possuía saberes, embora diferentes dos saberes do professor, mas deveriam ser avaliados pelos saberes próprios, ideia esta, difundida por pensadores como Paulo Freire, como se pode ver em suas obras “Pedagogia da Autonomia” e “Pedagogia do Oprimido”. Nestas e em suas outras obras, Paulo Freire simplesmente ignora os tratados eruditos da educação, pautados por grandes filósofos como Mileto, Sócrates, Platão, Aristóteles, Pitágoras entre outros, para persuadir de que o aluno não mais deveria ser conduzido pelo saber do professor, mas sim, pelo conhecimento individualizado. Isso fez com que o professor perdesse seu papel de conhecedor.
Não era mais o professor, detentor de conhecimento suficiente para ensinar, mesmo que tenha dedicado anos de sua vida aos saberes educacionais. Não obstante, pautado nesta ideia fajuta, aprovou-se no Brasil, através da legislação educacional, que a sala de alfabetização não seria mais reconhecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nem teria, por isso mesmo, caráter reprovativo. Sendo assim, tirou do professor a condição de conhecedor e do aluno, a necessidade de estudar.
O que encontramos nos dias de hoje, são professores cansados, desgastados e adoecidos pela prática da sala de aula. Alunos que não se dedicam mais ao aprendizado, por que a ele, não recai mais o compromisso de aprender. Isso fez com que aumentasse inclusive a violência em sala de aula. Há ainda, pesquisas que apontam que a profissão de professor, já não tem mais o mesmo almejo que se tinha. As pessoas não “sonham” mais em ser professores. Mas alguém precisa assumir este papel e então é que começa o problema.
Devido à baixa procura pelas áreas de ensino, diminui-se os critérios de avaliação e seleção para os cursos referentes. Não se pode cobrar tanto de um indivíduo para que, depois de formado, tenha de trabalhar três períodos, sacrificar seus sábados e domingos, para receber um salário defasado e ter de aturar crianças e adolescentes, maus educados, sem limites educacionais, sem o menor interesse no aprendizado, com pais totalmente relapsos e descomprometidos com a educação dos filhos, prontos para culpabilizar os professores por qualquer coisa que queiram culpar. Bem, sendo esta a realidade futura destes profissionais, compreende-se a baixa procura. Compreende-se que não se pode selecionar muito. Os bons, de fato não querem ser professores mais, querem empreender em outras áreas. Quem irá preencher esta vaga então? Isso mesmo! Aqueles que vieram da uma geração, como a que mencionei no meu artigo anterior, da semana passada, que foi publicado aqui no JT, no médium.com e no Jornal Floripa (https://jornaltribuna.com.br/2023/08/o-engodo-da-amamentacao-de-livre-demanda/), os nem-nem. Nem trabalham, nem estudam, nem fazem nada. Mas na necessidade de se ter uma profissão, a qualquer custo, e de preferência, barata, rápida e pouco exigente, com campo amplo de trabalho, diminuindo a dura concorrência. Escolhem pedagogia, letras, geografia, matemática… em sua maioria, no ensino a distância. Não que o ensino a distância seja de todo ruim, nada disso. O conteúdo é igual ao presencial. A diferença está no comprometimento e no volume aprendido por estes em detrimento daqueles. Mas se antes, as falas que tínhamos em casa de, que, “se você não estudar, terá de virar um gari, um servente de pedreiro, catador de reciclável…” hoje esta frase torna-se melhor compreendida se dita, de tal maneira, que qualquer um compreenderá que, para estas últimas profissões, será necessário muito esforço físico, muita dedicação de tempo para uma remuneração muito a quem do esforço empreendido. Por outro lado, na área educacional, embora tomará muito tempo também, e também terá remuneração muito a quem do merecido, poder-se-á disfarçar com muito mais facilidade. Um gari não consegue disfarçar a rua não varrida. Mas um professor consegue improvisar uma aula não preparada com antecedência. Um catador de reciclável não consegue disfarçar um carrinho vazio, quando deveria estar cheio, na hora de trocar o reciclável por dinheiro. Mas um professor conseguirá uma atividade qualquer no YouTube, no instagram, no facebook, ou no Pinterest, bastando “dar um Google”. Um servente de pedreiro não terá como disfarçar os tijolos não recolhidos ou a massa não preparada, assim como pedreiro não conseguirá tirar no reboco uma parede com meio metro fora do prumo ou do esquadro. Mas o professor conseguirá justificar notas de provas e trabalhos, mesmo que nunca os tenha aplicado de fato. E se aplicado, conseguirá dar a nota que desejar, evitando que a criaturinha fique de recuperação e lhe dê mais trabalho. Desta forma, a frase obscura a ser utilizada para aterrorizar aos preguiçosos, fica melhor quando dita assim: “Se você não se esforçar para estudar e trabalhar, só vai lhe restar ser um professor! ”
Veja no exemplo, um paciente meu que, desgostoso do trabalho e dos estudos, tem preguiça para ambos, mas necessitando trabalhar, pois os pais já não o suportavam mais fazendo peso em casa, entra em um site de uma faculdade interativa qualquer e matricula-se, sem que tenha o menor pré-requisito para a área. Depois de dois anos e meio, estudando por vídeos, uma ou duas vezes por semana e, como ele mesmo dizia, “deixava os vídeos rolando”, para que fossem percebidos como que havia sido assistido, mas não eram. Provas e trabalhos online, com livre busca no Google. Concluiu a faculdade sem nunca ter assistido a uma única vídeo-aula, quanto mais a uma aula de verdade. Foi aprovado depois de entregar seu “tcc”, com míseras 12 páginas, que pagou para que alguém o fizesse por ele. Formou-se sem haver lido uma única linha se quer, de um livro qualquer, quanto mais de uma literatura substancial. Este é um exemplo e eu poderia citar muitos mais.
Saem da faculdade sem saber ler e escrever corretamente. E não é exagero da minha parte. Cito exemplos: trabalhei quase dez anos em sala de aula e hoje, embora não mais atuando em sala, tenho contato com os antigos alunos. Certo dia, uma aluna que hoje cursa o mestrado em letras na Unioeste-Cascavel, mandou-me mensagem via WhatsApp, inconformado com a fala de uma professora do mestrado, uma doutora em letras. Segundo ela, a professora havia afirmado de que não era necessário ter domínio das regras gramaticais. Proporcionando aos alunos, a capacidade de “saber ler e escrever”, falar, compreender e ser compreendido, já era suficiente. Regras gramaticais, ainda segundo ela, apud a professora doutora do mestrado em letras, regras gramaticais são invenções desnecessárias e totalmente dispensáveis. Só servem para atrapalhar.
Frente a isso, a aluna me fez recordar dos jogos gramaticais que fazíamos em sala de aula, isso dentro da minha disciplina de psicologia e artes (minha primeira formação). Os jogos pautavam as cacofonias, as palavras homônimas e parônimas. O uso da vírgula e os acidentes interpretativos no mau emprego delas, entre outros diversos recursos que demonstram, por si só, a importância do domínio da gramática para compreender e fazer-se compreender. Isso que estamos falando de um curso de mestrado em uma faculdade pública de reconhecimento dito, maravilhoso. Agora imagine quando adentramos a um curso EAD. Onde o professor se quer sabe se o aluno está assistindo ao vídeo ou não.
Um outro paciente, certa vez, mandou-me uma vídeo-aula dele, pedindo para que eu assistisse o minuto identificado por ele, onde a “professora” trocava “L” por “R”. Este vídeo ainda se encontra disponível. É de doer os ouvidos.
Já fiz palestras em escolas, para professores, onde os mesmos admitem nunca haver lido um livro se quer, depois que saíram da faculdade. Os que estão entrando agora, não leem nem na faculdade. Tenho pacientes, professores, que me dizem “para mim fazer”. “Ele mim emprestou”. O mais nervoso que já passei com isso, foi uma paciente, aprovada no ENEM com bolsa quase integral, em um curso competidíssimo, mas que falava feito uma criança semialfabetizada. Perguntei a ela, quais eram os pronomes pessoais. Ela me respondeu com outra pergunta: “- Como assim?” Tornei a perguntar: afirmando ainda: se fora aprovada com nota tão maravilhosa no ENEM, deve saber o que são e quais são os pronomes pessoais. Não sabia.
Na sessão seguinte, sentou-se na minha frente e, diante da minha pergunta clássica de, “como foi sua semana”, respondeu-me com ar de soberba: “Eu estive estudando ‘aquilo’ que me perguntou na semana passada”. Perguntei se era sobre os pronomes e tive a resposta assertiva. Pedi para que me dissesse quais eram e ela começou a perguntar e a contar nos dedos: “Nós? Eles? Vocês?”… Interrompi imediatamente e pedi para que o fizesse na ordem, o que voltou em uma pergunta absurda: “Isso tem uma ordem?”. Veja, uma pré-vestibulanda! Com nota altíssima no ENEM!
Indignado, sem identificá-la, relatei a experiência a uma paciente, professora do ensino fundamental I e II. Ela enrubesceu e disse que também não sabia. Achei um absurdo. Comentei com outra paciente, esta, professora do ensino médio. Falei da paciente aluna e da paciente professora do fundamental e falei da minha indignação no total desconhecimento delas sobre o tema tão elementar, primário. A resposta que tive foi um: “Isso não é da minha área de atuação, não tenho obrigação de saber tudo! ” Caracas! Mas o básico tem! Retruquei. E não é de linhas de atuações que estamos falando, é de gramática básica de quarta série! Completei.
Cito genericamente sem me direcionar a um especifico, porque me passam na mente, diversos destes exemplos. Alguns já formados e outros em formação, mas que não possuem um décimo do mínimo necessário para entrar em um curso de alfabetização, quanto mais numa faculdade e depois a frente de uma sala de aula. Mas estão, acredite você, estão lecionando. Insatisfeitos, claro! Compreensível satisfação inclusive.
Temos de compreender que a prática mais eficiente do ensino-aprendizagem, está pautada no processo socrático e pestaloziano, tendo o diálogo e a participação do mediador na compreensão e evolução do conhecimento. Esta sedimentação educacional tem se perdido ao longo dos milênios, deixando o que há de mais objetivo e funcional na educação, que são os métodos tradicionais, dos aqui já mencionados, acrescemos os métodos montessoriano e piagetiano, que tem em seu princípio, a prática e o conhecimento do trivium e do quadrivium, sem deixar de lado as tecnologias da atualidade, bem como os aspectos neurobiológicos do desenvolvimento.
Embora o aluno possua seus saberes, sendo a maioria deles extraídos das redes sociais, sem o mínimo de sedimentação, devemos compreender que não são eles, nem de longe, saberes equivalentes aos saberes do professor, que dedicando anos de estudos, dedica sua vida a prática educacional. Não podemos diminuir este Mestre a simples interlocutor. O professor, embora não mais enobrecido em suas práticas, continua sendo o responsável pelas próximas gerações. Movimentos contrários às práticas educacionais assertivas, gerou o que temos hoje, uma sociedade de baixo nível educacional e moral. O problema maior, ao meu ver, é que a nova leva de professores, alguns já em atuação e a maioria dos que virão de agora em diante, já se encontram nesta mesma perspectiva de nulidade de conhecimento. São incompetentes elevados a décima potência.
Valorizando o professor e dando a ele as ferramentas que lhes são de habilidades intransferíveis, teremos novamente a ascensão do indivíduo, o aluno, e da sociedade no seu coletivo. Mas os professores que estão vindo, já estão na mesma onda dos alunos que os espera. Tenho medo do futuro educacional e intelectual brasileiro. Pais relapsos, ausentes e desestruturados. Professores mau formados, incompetentes e sem o mínimo de energia para mudar de posição. Alunos imbecializados pela futilidade da massa e achando-se experts porque conseguem ganhar dinheiro gerando conteúdo na internet. Quando olhamos o conteúdo, compreendemos o porquê a massa está imbecializada. Alimentam-se de futilidades, pornografias, e pseudo-saberes que em nada somam para o progresso intelectual destes produzem e daqueles que os assistem.
[1] Doutorando em Psicanálise pela Sociedade Internacional de Psicanálise de São Paulo, com ênfase em Logoterapia; Mestre em Teologia, pela Faculdade de Integração Teológica de Serra Talhada-PE, com ênfase em Noogenia; possui Graduação em Psicologia pela Faculdade de Ciências Aplicadas de Cascavel-PR; Especialista em TCC – Terapia Cognitivo Comportamental-SP, com ênfase em Biblioterapia; Neuropsicopedagogia Clínica-RJ, com ênfase em Musicoterapia; e em Atividade Física e Saúde-MG, com ênfase em Protocolo Tabata.
Premiado no II Congresso Internacional CEFI de 2019.
Autor do livro O Problema do Corpo, da Mente e do Espírito: Ensaio Neuropsicoteológico da Noogenia, pela UICLAP Editora (https://loja.uiclap.com/titulo/ua32473/).
Atualmente é Servidor Público, Psicólogo da Prefeitura Municipal, pelo Centro de Especialidades da Secretaria Municipal de Saúde de Altônia-PR.
Colunista dos Jornais Tribuna e medium.com.
Professor e palestrante pelo Instituto Franco Garcia, de Altônia-PR e pela Escola Equipe, de Amambaí-MS.