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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Guerras: O Certo E O Errado Entre Direitos Conquistados E Direitos A Conquistar

Diante das guerras em pleno século XXI, convêm refletir sobre muitas coisas, como, por exemplo, direitos conquistados e direitos a conquistar, o que nos leva a ponderar, também, sobre a origem do poder.

Enquanto a humanidade vivia subjugada pela natureza, desconhecendo meios eficazes de superar dificuldades, como obter alimento suficiente, se proteger do frio, das tempestades, se defender em relação a predadores etc., não havia _penso_ homem a exercer tanto poder sobre outro; a fragilidade os unia. Todos precisavam ajudar a todos ou todos se perderiam. Com o tempo os clãs foram se desfazendo, o aspecto fraterno, solidário, foi desaparecendo e o individual, o egoístico, foi se desenvolvendo. Quando o homem, na condição de indivíduo, percebeu que já possuía muitos meios de atender às próprias necessidades, abandonou o sistema gregário e começou a submeter o seu semelhante, com o objetivo de, cada vez mais, ampliar seu próprio poder.

O homem até pode brigar e matar outro por causa da miséria, disputando um simples pedaço de carne. Porém, o mais provável é que, em tal circunstância, compartilhem o pedaço de carne; dois homens vivos valem mais do que apenas um à procura de alimento e outros suprimentos escassos.

Sei que parece uma afirmação absurda, mas estou convicto de que a fartura pode ser tão destrutiva quanto a escassez. A escassez, geralmente, torna o homem mais solidário, enquanto a abundância, na maioria das vezes, o torna mais soberbo, egocêntrico… A história não nos tem demonstrado isso com precisão? Quanto mais abastado um império, um reino, um governo, maior o desejo de abastança, com o objetivo de manter e de ampliar seu poderio. Ignora que não foi a escassez e sim a abundância que inventou a guerra? A fartura, contraditoriamente, é quase sempre o motivo de toda guerra e o egoísmo é o seu general! Só uma alma essencialmente fraterna _o que é raro_ pode comportar a abundância e generosamente compartilhar. Acredite: melhor é que um pobre solicite ajuda a outro pobre do que a algum rico. A alma que mais conhece a dor mais facilmente estende a mão para aliviar a dor alheia, desde que _pelo pouco de bens que vá conquistando_ não ambicione demasiadamente. O bem conquistado pode potencializar o desejo de conquistar muito mais… Em O Medo à Liberdade, o psicanalista e grande pensador humanista Erich Fromm, entre outras coisas disse: “A história moderna (…) gira em torno do esforço para livrar o homem das peias políticas, econômicas e espirituais que o tem mantido acorrentado. As batalhas pela liberdade foram sustentadas pelos oprimidos, pelos que queriam novas liberdades, contra os que tinham privilégios a defender. Enquanto uma classe lutava por se libertar da dominação, ela própria acreditava estar lutando pela liberdade humana e, assim, era capaz de apelar para um ideal _o anseio de liberdade que existe arraigados em todos os oprimidos. Na longa e praticamente continua batalha pela liberdade, contudo, as classes que lutavam contra a opressão em determinada fase, uma vez obtida a vitória, enfileiravam-se ao lado dos inimigos da liberdade para defender novos privilégios. (…).”.

Diante dessas palavras de Erich Fromm, pergunto: estão certos os que combatem para conquistar direitos ou os que combatem para defender direitos que conquistaram? Não precisa responder agora. Sigamos com a reflexão…

Rousseau, escreveu: “O homem nasce livre, mas por toda parte encontra-se acorrentado”.

Em meu livro O Leviatã Contemporâneo, com participação de José Manfroi, abordo, entre outros, o seguinte tema: “Estado Natural ou Pacto Social?”. Passo a discorrer sobre o referido tema a partir do citado capítulo de O Leviatã Contemporâneo: “Diante de todas as dificuldades e sofrimentos de nossos dias, há quem defenda o retorno ao estado natural. Mas, ‘natural’ não é sinônimo de ‘melhor’. Não sei dizer se o estado natural de coisas é melhor ou pior do que a construção social em que nos encontramos.

Em tempos muito remotos, o homem caçava e, ao caçar, enfrentava muitos desafios e, por vezes, era também caçado. No estado mais natural, agredia-se para tomar do outro a caça (obviamente que, também, havia união para caçar e a partilha do que era caçado). Hoje, para evitar os perigos inerentes ao estado natural, organizamo-nos para trocar, comprar e vender, sejam coisas, seja si mesmo em alguma medida. Claro que ainda há aqueles que, em certa medida, vivem conforme as forças instintivas, mais naturais, agredindo, roubando, saqueando, estuprando… No estado mais natural de coisas atendia-se _mediante pulções, isto é, pelas forças predominantemente fisiológicas_ às necessidades fundamentais para manutenção da própria existência e perpetuação da espécie. Agora, vivemos sob um Pacto Social, que, de diversas maneiras, é tão assustador quanto era o estado natural de existência. Se estabeleceram regras que são burladas muitas vezes por aqueles que detém o poder, de maneira que, o poder, continua sendo o critério para existir ‘melhor’, com ‘mais segurança’ e acúmulo de bens.

Para Rousseau, o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. Esse posicionamento é totalmente equivocado e mesmo contraditório, visto que ‘bom’ é um conceito de oposição e, consequentemente, de interdependência. Refiro-me à interdependência entre os conceitos de ‘bom’ (ou bem) e de ‘mau’ (ou mal) sendo, ambos, construídos socialmente, no desenvolvimento moral e ético. ‘Ser bom implica consciência dos próprios atos’, coisa que um recém-nascido não possui, obviamente. Além disso, há o que chamo de ‘herança bio-genética’ e ‘herança psico-genética’: nascemos com pendores…, e na sociedade apenas os desenvolvemos ou/ e, em diferentes medidas, bloqueamos, reprimimos, sejam positivos, sejam negativos. É somente na sociedade que tornamo-nos ‘bons’ ou ‘maus’, e mesmo assim nunca o somos plenamente. Há, em toda pessoa, um mix de bondade e maldade…, até porque, o conceito de ‘bem’ e de ‘mal’ varia conforme o grupo em que se esteja inserido e individualmente.

Em oposição à ideia do estado natural de Rousseau encontramos Hobbes, que considera que o homem nasce ‘mau’, com instintos de agressividade, de impulsividade, para lutar em prol da manutenção e perpetuação da vida, e que, pela sociedade, precisa ser educado. As observações já feitas aqui, expondo o erro de Rousseau, servem para esclarecer que Hobbes errou ao conceituar de ‘mau’ o homem em estado natural. A ‘agressividade’ não poderia, em estado natural, isto é, sem leis, ser tida como ‘coisa má’. Talvez, para perfeito entendimento sobre ‘bem’ (ou bom) e ‘mal’ (ou mau) seja-nos necessário analisar, de maneira imparcial, a questão das origens da moral. De certo que, de imediato, vêm-nos à memória Nietzsche, e seu livro A Genealogia da Moral.

Grosso modo, Nietzsche postula que, ao contrário do que quase todos os estudiosos da moral dizem, a moral tem origem não na utilidade _ou mais propriamente na constatação do útil e do não útil_ e sim, por imposições de classes dominantes. Ele parte da etimologia, como declara na página 24 de NIETZSCHE: A Genealogia da Moral; Editora Lafonte, 2020: ‘A indicação para o caminho correto me foi dada por esta pergunta: qual é, segundo a etimologia, o sentido da palavra bom nas diversas línguas?’. Assim, Nietzsche segue sua construção teórica sobre a genealogia da moral. Ele descobre que as palavras ‘bom’ (ou bem) e ‘mau’ (ou mal) possuem relação direta à aristocracia, aos ‘loiros’ _no caso dos ‘bons’_ e aos plebeus, aos ‘de pele escura e cabelos crespos’_ no caso dos pobres, escravos, os que não fazem parte da nobreza. É importante, porém, ultrapassar Nietzsche, pois ele começa a exposição de sua teoria pautando-se em um período de classes bem definidas. Mas houve, certamente, um período primitivo, em que se vivia, ainda, em comunas, grupos pequenos de cooperação, não submetidos a leis, mas submetidos aos costumes que se desenvolviam na e pela inter-relação, firmando-se pela percepção do ‘justo’ e do ‘injusto’. Ao utilizar as palavras ‘justo’ e ‘injusto’ não estamos implicando peso jurídico, isto é, de leis, mas referimo-nos ao sentido que se aplica às roupas, por exemplo, quando bem ‘justas ao corpo’, isto é, damos o sentido de ‘meio-termo’, ‘equilíbrio’. Somente após os grupos primitivos se desenvolverem muito e indivíduos começarem a se destacar, sobrepondo-se a outros indivíduos e grupos, foi se formando e se firmando as classes e se desenvolvendo o que Nietzsche muito bem apresentou.”.

Após tudo o que analisamos no presente aqui, considerando as atuais atrocidades, resultantes das guerras entre Rússia e Ucrânia e Israel e um poder representado por grandes grupos de guerrilheiros, como Hamas, por exemplo, pergunto: “Estado natural ou ou pacto social?”. E sobre a afirmação de Rousseau? Nascemos livres? Não… Tudo é, em diferentes medidas, condicionado. A existência é uma “teia de relações” e estamos nela desde o ventre. Algum problema nisso? Depende… A “teia” que constitui a existência pode beneficiar-nos ou causar-nos danos. Depende de como interagimos nela.

Decepcionados de nós mesmos, declaramos: “O cão é o melhor amigo do homem”.

Tito Maccio Plauto, nascido cerca de 100 anos antes de Cristo, dizia: “HOMO HOMINI LUPUS”, que significa: “O homem é o lobo do próprio homem.”. Com tais palavras, Plauto afirmava que somos como feras, que devorar-mo-nos mutuamente e a nós mesmos é nossa tarefa diária. Também Jeremias, o profeta, nascido entre 500 e 600 antes de Cristo, lamentava: “Maldito é o homem que confia no homem.”.

Como podemos facilmente constatar, nosso descrédito em relação à espécie humana já é de longa data…

Um tanto desesperançado, espero que, algum dia, orgulhosos de nós mesmos, possamos finalmente exclamar: “O homem é o melhor amigo do homem!”.

Buscamos a nossa felicidade eswuecendo-nos que a nossa depende em grande medida, da felicidade de quem se relaciona conosco… Para muito além das distorções feitas ao conceito “felicidade”, só se é feliz na partilha, na saudável relação com o outro, e não pela desmedida ambição que leva-nos a desprezar o outro, a se sobrepor ao outro para dele tirar proveitos.

Para muitos filósofos da antiga Grécia, a pessoa seria feliz cooperando para a felicidade de outras, pois ao relacionar-se com outra, que não esteja feliz, se ficaria, semelhantemente, triste, sob alguma medida de abatimento. Não tendemos a ficar entristecidos ao vermos triste alguém com quem a gente se importa? Em nossos dias, infelizmente, é um passando a perna no outro, querendo “se dar bem sobre o outro”, sem perceber que, se não há partilha, cooperação, perde-se, mais cedo ou mais tarde, por conta da própria ambição. Somos seres inter-relacionais; “sou como sou na relação com o outro”. Platão e Aristóteles trabalharam esse conceito de “felicidade” e afirmaram que, a pólis, isto é, o povo, precisa estar bem, e que, portanto, os governantes precisam agir em prol do bem do povo e não de seus próprios interesses. Minhas escolhas afetam as suas que, por sua vez, afetam as minhas e assim por diante, nessa gigantesca teia que é a sociedade e, no mundo atual, globalizado, deve-se levar em conta toda a humanidade. Mas a felicidade só pode “ser construída” se considerarmos a “partilha”, principalmente nos pequenos círculos de convivência: família, vizinhança, colegas de trabalho etc. Alguma medida de responsabilidade frente a tudo que de ruim tem-nos sido feito todos temos… Cabe-nos assumir!

Deixo, aqui, uma reflexão de um grande filósofo:

“Não somos ricos pelo que temos, e sim pelo que não precisamos ter.”

Immanuel Kant (1724-1804)

Os dois livros mais recentes de Cesar Tólmi:

O Leviatã Contemporâneo https://loja.uiclap.com/titulo/ua41182/ e Neuroscience end Psychoanaysis (edição bilíngue: Português/Inglês) https://loja.uiclap.com/titulo/ua42633/

Site: www.epistemeapoioacademico.com.br

E-mail: cesartolmi.contato@gmail.com

Autor:

Cesar Tólmi – Psicanalista, com Graduação/ Licenciatura em Filosofia, pós-graduando em Neurociência Clínica, arte-terapeuta, jornalista, escritor, idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínico, forense, jurídico e social, codiretor do EPISTEME – Centro de Apoio Acadêmico.

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