A palavra Bullying foi incorporada ao vocabulário corrente há alguns anos, mas o conceito vem de longa data, com outros nomes e às vezes mais agressivo. A diferença é que antigamente os pais não se envolviam e não recorriam à Justiça para processar ninguém. As vítimas não faziam análise e não desabavam psicologicamente. Resolviam tudo na porrada, ou superavam. Vânio Alves Lima é um exemplo, tanto de Bullying como de superação.
Zoado da infância ao colégio, os próprios assediadores não entendiam como suportou toda a maldade. Gordinho, gago, sardento, estrábico e lesado, tinha dificuldade para fazer os exercícios do colégio em dupla. Os professores aceitavam trabalhos solo, dele e de mais alguém, pois eram 28 alunos em sala e sempre sobravam dois, Vânio e outro, o “resta um”. Quando a professora quis obrigar um aluno a fazer dupla com Vânio, Aldo, o “resta um” da vez, alegou infecção viral aguda contagiosa e simulou convulsões. Levado ao P. S., retornou em uma semana e afirmou aos amigos que valeu, mesmo após tomar duas ampolas de Benzetacil e mancar por três dias.
A vida de Vânio não era diferente na escola dominical. Questionava tudo e não tinha amigos. Não via sentido na transformação de água em vinho. Naquela região desértica, melhor seria transformar vinho em água, pois o vinho desidrata e a água hidrata. Quando o pastor perdia a paciência, parodiava o mantra e dizia: Vânio é o Caminho errado, a meia Verdade e a Vida oca.
Em meados de não se sabe quando, Vânio levou um coice na cabeça que mudaria sua vida. A pancada foi tão forte que o esfíncter travou com força suficiente para cortar um charuto e ele permaneceu várias semanas internado. Com apenas 27 alunos em sala, os professores pediam trabalhos em trios. Sem Vânio, sem o “resta um” e com menos coisas para corrigir, todos ficaram felizes. Ele concluiu o curso no hospital, não por piedade dos professores, mas porque ninguém o queria de volta no ano seguinte.
O coice balançou as estruturas cognitiva e sensitiva. Médicos e psicólogos discutiam quais áreas do cérebro foram afetadas, as consequências neurais e as sinapses após o impacto. A área da memória permaneceu intacta e tornou-se acessível imediatamente. Em outras palavras, ele se lembra de tudo o que ouviu, aprendeu ou leu, tendo ou não prestado atenção ou anotado.
Desenvolveu memória eidética, senso estético apurado, raciocínio em bloco, cálculos complexos de cabeça, facilidade com idiomas e tecnologia, além de grande carisma. Sensitivo, ouvia até as palavras que as pessoas fingiam não dizer. Essa combinação de fatores permitiu cursar três faculdades ao mesmo tempo, todas on line.
Recusou propostas de trabalho e criou o próprio negócio: o Midas Group, nome em homenagem ao rei da Frígia, personagem mitológico que transformava em ouro tudo o que tocava. Qualquer coisa que criasse valorizava imediatamente e ele se tornou bilionário da noite para o dia. Fugia das câmeras e dos holofotes, não dava entrevistas e assinava apenas V.A.L., iniciais do nome.
Mas o passado ainda o atormentava. Tive de passar pelo que tive de passar, dizia a si mesmo. O bilionário decidiu investir no visual e na imagem para elevar a autoestima. Fez tratamento com fonoaudiólogas, consultou tarólogas, numerólogas, astrólogas, personal stylist, hair stylist, harmonizador facial e outras excentricidades disponíveis. Curou a gagueira, eliminou as sardas, fez implantes e clareamento dental, modelou o corpo com lipo, plástica e operou o estrabismo. A mudança foi brutal e ele se orgulhou, pois em nada lembrava a estranha pessoa que um dia foi.
Quando o colégio organizou a comemoração dos dez anos da conclusão do curso, ele confirmou presença e a Comissão Organizadora soube que Vânio era V.A.L., o bilionário fundador do Midas Group. Wilma, a beldade da turma, Cely e Carla custaram a acreditar que o maior coió da classe enricou e elas, que o esnobavam, ainda estão solteiras. Lamentaram o bullying, o abandono e sentiram-se mal. Não dá para mudar o passado, disseram, mas quanto ao futuro, quem sabe? As três se produziram da cabeça aos pés para encantar e tentar fisgar o colega ricaço.
Última pessoa a chegar à festa, foi anunciado com toda pompa pelo mestre de cerimônias: Com vocês, V.A.L, Valéria Alves Lima, a trans bilionária e fundadora do Midas Group. Espanto geral, principalmente entre as mulheres. V.A.L. desfilou deslumbrante sob os apupos dos rapazes de queixo caído. Seu visual fantástico é bem melhor do que qualquer das coleguinhas. Vânio nunca conseguiu se aproximar das meninas da turma, mas sua versão Valéria arrebatou os corações dos rapazes. Não faça bullying com colegas de colégio. Ninguém sabe no que se transformarão no futuro. Vida que segue.
Laerte, excepcional sua crônica. São tantos detalhes no decorrer do texto. A surpresa reservada para o final me transportou para os cenários de sofisticadas passarelas
Obrigado pelo incentivo, Deise.
Texto intrigante,com final surpreendente!
Obrigado, Rosali.
Parabéns Laerte. Ótimo texto.
Apupos pra vc também.
(Sensacional resgatar a palavra)
Obrigado pelo comentário, Márcia.
Kkkkk
Muito booom
Hilário
Para o espanto de muitos
O mundo dâ voltas, nê?
Obrigado, Cacilda.
Crônica intrigante, e com conteúdo. Parabéns…
Obrigado pelo comentário, Jaeder.
Laerte, vingança é uma palavrinha de enorme poder, né mesmo?
Muito bom seu texto!
Obrigado, Ita.