Dizem que ser criança é viver o dia mais feliz de sua vida todos os dias, sem preocupações, medo de broncas, de perguntas tolas ou falar errado. A criança pode imaginar o que bem entender e fazer quase tudo, inclusive as coisas que serão proibidas em poucos anos.
Os meninos sofrem mais. Quando criança, as tias enchem de beijos, dão banho, passam talquinho, trocam sua roupa, permitem que entrem no banheiro ou no quarto quando estão se banhando ou se vestindo etc. É tudo maravilhoso até que, por volta dos 5 ou 6 anos, trancam a porta, justamente quando os garotos começam a se interessar.
São incentivados a beijar e abraçar as priminhas, tomam banho e dormem juntos etc. Quando saem da praia ou piscina, enxugam-se com as mesmas toalhas e trocam de roupa em grupo, sem problema. Aos seis anos isso também muda. E o que dizer do dia das crianças? Ganham presentes por alguns anos, até o início da adolescência, com honrosa exceção para as vovós e as costumeiras cuequinhas e meias, tudo muito brega.
Todos querem pegar o garoto no colo, levar ao parque, praia, piscina. As tias solteiras acham que com o menino podem chamar a atenção dos rapazes e pedirem para que tirem uma foto delas com o sobrinho. Fazem questão de frisar so-bri-nho, só para puxar assunto. Eles crescem um pouco e elas não têm mais tempo para qualquer coisa.
Heráclito foi um desses bebês mimados. Primeiro filho e primeiro neto de ambos os lados, também foi o primeiro sobrinho e muito paparicado. Ficou mal acostumado. As tias o cobriam de beijos, abraços, aperto na bochecha e banho. Os tios ensinavam coisas úteis do universo macho, como jogar futebol, xingar o árbitro, falar arrotando, imitar o som do pum com o sovaco, cuspe a distância e dizer besteiras. Tudo muito divertido. Bem que ele tentou levar a vida no mesmo ritmo, mas com o tempo, alguns desses prazeres lhe foram podados. Com a chegada da irmã, primos e primas, a atenção foi dividida e ele deixou de ser o queridinho das famílias. Era o mais velho, tinha de ajudar cuidar conta dos pequenos e dar exemplo. Tudo muito chato!
Sofreu quando adolescente e jovem. Era o pioneiro em tudo e não tinha em quem se espelhar. Na escola, brigas, paqueras, ninguém o ensinou como se portar ou como se defender. Sua maior frustração era nunca ter brincado de médico com as primas. Quando soube do que se tratava, elas tinham quatro ou cinco anos e Heráclito, pré-adolescente, não podia nem encostar o dedo nas meninas. A vigilância dos pais e dos tios era ferrenha. Todos podiam fazer de tudo, mas ele só podia estudar e se comportar bem.
O tempo passou e Heráclito não viu vantagem alguma em ter sido o primogênito, só que nada poderia ser mudado. Cresceu isolado e arrogante. Entendia de tudo, com exceção de tudo. Quando as famílias se reuniam, ele examinava os tios e as tias e sorria por dentro. Eles gordos e carecas, elas flácidas e chatas. Duas solteiras e sem qualquer esperança. Casos perdidos.
Aos vinte e seis anos, ainda com jeitão moleque, Heráclito começou a namorar uma médica recém formada, muito séria, mas só de fachada, pois era um doce de pessoa, primogênita e meio criançona, assim como ele. Comparando suas vidas, identificaram muitos pontos comuns pelo fato de terem sido pioneiros nas respectivas famílias, paparicados por algum tempo e depois colocados do almoxarifado familiar. Usados e descartados.
Conversa vai, conversa vem, num jantar romântico, surgiu o assunto das frustrações da infância. Descobriram que os dois compartilhavam a mesma frustração: nunca brincaram de médico com os primos. A doutora Adolpha tomou a iniciativa e propôs a famosa brincadeira, porém como adultos. Heráclito sugeriu uma consulta minuciosa, nada de SUS, que demora para agendar e nem examina direito. Em seguida, partiriam imediatamente para o “tratamento”, ou melhor, as vias de fato.
Animados, foram para a casa dela, direto para o quarto. A médica pediu que ele se despisse e se deitasse enquanto trocava de roupa no banheiro. Em minutos, Adolpha surgiu num jaleco branco sexy e máscara. Nadinha além disso. Heráclito ficou eufórico, até que a namorada pediu para virar-se de lado e encolher as pernas. Ao escutar o conhecido som da luva de látex ajustando-se à mão, perguntou:
- Posso saber o que pretende fazer, doutora?
- Consultá-lo. Brincar de médico, oras.
- Mas o que exatamente você vai examinar?
- Esqueceu que faço Residência em proctologia?
Subitamente, Heráclito teve saudades, dos beijos, apertões e abraços das queridas tias.
E… depois?….
Pô, assim não dá pra brincar… pq não perguntou a especialidade antes!!! hh, muito bom!
Amei o tal almoxarifado familiar…. Muito bom Laerte.
Muito bom!!!
Que surpresa hein
Kkkk
Hahahaha!
Bobeou, dançou.
Devia ter sugerido ele ser o médico.
Muito bom, Laerte.