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sábado, 23 de novembro de 2024

Um Sonho de Espera

Muitas vezes me perguntava em que pensavam as pessoas que me acostumei a ver sentadas nos bancos da praça. Não aquelas que liam alguma coisa, faziam uma “horinha” antes das agências bancárias abrirem ou batiam um papo com os amigos. Aquelas sempre sozinhas. Seria uma distração, reflexão, hábito, solidão, momento de oração… o fato é que após algum tempo todas cedem seus lugares “cativos” a outras, igualmente dissimuladas.

Lembro-me de uma senhora idosa muito simpática, quase sempre no mesmo banco (de acordo com a sombra) olhando sabe-se lá o quê. Tinha nas mãos que não escondiam os anos um envelope vermelho já desbotado. Algumas vezes quis cumprimentá-la, mas me parecia sempre tão absorta que tinha a impressão de que não iria me ouvir ou me ver passar.

Certo dia, precisei esperar que o cartório abrisse e era minha vez de me sentar à praça, por onde sempre passava com pressa ou sem intenção de parar. Reparei então que estava ao lado daquela senhora e arrisquei um “bom dia”. Respondeu-me com simpatia e voz agradabilíssima. Embora um pouco curioso jamais perguntaria o que fazia ali todos os dias, mesmo porque, claro, não era de minha conta. Disse-lhe que sempre a via ali na praça.

— Também o vejo sempre e até já quis cumprimentá-lo algumas vezes, mas sempre me pareceu tão apressado que achei que sequer ouviria ou me notaria… Contou-me então que há décadas havia morado em frente àquela parte da praça e a casa em questão fora palco de um instante mágico em sua vida.

— Alguma vez você disse a alguém que a amava?

Com aquela profundidade… daquela forma expressa…não. Explicou-me que dissera isto a alguém, ao mesmo tempo em que ouvira exatamente o mesmo. Mas não usaram palavras, e sim seus olhos e corações. A outra pessoa precisou partir, mas o tempo não os impediria de voltarem a ficar juntos. Quando? Bem, ela saberia quando um envelope vermelho igual ao que trazia sempre consigo fosse entregue naquela casa. E era isto que aguardava ocorrer.

Perguntei-lhe se não seria mais prático deixar seu endereço com os atuais moradores, que a avisariam assim que a correspondência fosse entregue.

— Não… eu prometi que esperaria.

O cartório abrira as portas e eu precisava ir. Despedi-me e desejei-lhe sorte, pelo que me agradeceu. Em parte encantado com a bonita, porém triste estória, não acreditei num final feliz após tantos anos sem contato. Talvez nem estivesse mais plenamente lúcida. Que pena. Fui resolver meus assuntos. Ainda na praça um carteiro fazia a entrega de correspondências e publicações e pude ver, dentre tantos envelopes, um de cor vermelha. Como nunca fui de olhar para trás, apenas achei que seria justo se fosse o sinal tão aguardado por duas pessoas ligadas por uma promessa e…pela distância.

Nunca mais a vi. Após algum tempo outras pessoas ocuparam aquele banco, mas nenhuma com um olhar tão esperançoso e convicto quanto o daquela senhora. Talvez isto seja muito relativo. Ao longo dos anos passamos por inúmeras estações, fases, esperas. Pode ser que para eles, décadas não tenham significado tanto tempo assim e tenha sido, ainda, uma espera prazerosa. Pensando bem, quem não possui alguém por quem esperar?… a espera pode ser a razão de tudo.

Estou pensando nisto aqui num dos inúmeros bancos da praça. Talvez neste momento alguém esteja passando com pressa e se perguntando em que podem estar pensando estas pessoas sozinhas nos bancos… Minha resposta pode não vir num envelope pelo correio, mas no sonho da realidade superando a realidade de um sonho.

Anail… quando você estará por perto?

Autor:

Miguel Arcangelo Picoli é autor do livro Momentos (contos) e Contos para Cassandra (em homenagem à escritora Cassandra Rios).

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