De acordo com o Groselha era tudo muito simples e fácil: dia 23 de dezembro iríamos até um pequeno depósito da prefeitura onde presentes (inclusive um cachorro de verdade) e balas que seriam distribuídas a crianças carentes de um bairro da cidade já estariam separados, e nossa parte seria apenas a de carregar tudo numa caminhonete que já estaria no local, e transportar até uma escola no bairro onde se daria o evento. No caminho, apanharíamos o Papai Noel. A princípio, pensei em recusar por estar com meu serviço atrasado, mas pensando no Natal daquelas crianças, na necessidade de ajuda do Groselha, e estando tudo tão organizado, não pude me negar.
Mas entre a teoria e a prática… Chegamos ao prédio logo cedo e nenhum dos (duzentos e quarenta) presentes havia sido embrulhado. Uma ligação para os organizadores e fomos informados que não havia mais embalagens, porque eram contadas. Bom, alguém errara na conta. Talvez as crianças não reparassem na falta do papel de presente, mas… Fui à papelaria mais próxima e comprei todo o necessário.
Ah, o (esfomeado!!!) cãozinho que seria presenteado já havia sido deixado lá, junto com um cem número de pulgas. Uma ligação para a organização, e nos disseram que ele seria entregue como estava, pois já havia sido cuidado… Deus, que descaso (com o presente e com o presenteado)! Tentei algumas pets, mas nenhuma tinha horário naquele dia. O jeito foi sair para comprar sabonete, shampoo, toalha de banho, ração, vasilha para água, casinha, etc. Até que o resultado foi bom e o ex-pulguento ficou bonito.
Em seguida descobrimos que todas as balas estavam repletas de formigas, devido ao armazenamento inadequado. Novo contato e os organizadores disseram que não havia mais, pois também eram contadas… Fui à doçaria mais próxima e comprei sessenta quilos e embalagens para repartirmos. Após uma verdadeira corrida contra o tempo estava tudo pronto, e ainda tínhamos vinte minutos para descansar. Passados trinta e cinco, percebemos que o relógio havia parado e estávamos atrasados!
Dei partida no veículo enquanto Groselha abria a porta da garagem. Percebemos então que o “presente cachorro” não estava lá… Nova correria para encontrá-lo, e quando conseguimos precisamos dar-lhe outro banho, pois estava todo sujo. O atraso já chegava a quarenta minutos, mas o cãozinho estava novo em folha. Podíamos então seguir… Não… Um caminhão quebrou justamente em frente a garagem, e não tínhamos como sair do estacionamento do depósito, sendo que o guincho iria demorar.
Tentamos um transporte alternativo, mas não havia nenhum disponível. Groselha então sugeriu algo extremo: quebrarmos o muro e sairmos pela rua ao lado. Levando em conta o quanto aquilo significava para as crianças, concordei. Fomos comprar marretas e após duas horas conseguimos sair com o veículo (sendo que dois minutos após o guincho chegou). Faltava apenas apanhar o Papai Noel e apesar do atraso, as crianças receberiam seus presentes.
Chegamos ao local combinado e nada do Bom Velhinho. Aguardamos meia hora e não sabíamos se ele estava atrasado ou já havia ido devido ao nosso atraso. Ligamos para os organizadores e nos disseram que não tinham como saber, pois as instruções estavam com cada voluntário, no caso, o Groselha, e ele não se lembrava de onde as guardara (sem ter lido antes).
Bom… Sugeri que levássemos os presentes à escola. Melhor as crianças receberem os presentes dos professores e voluntários do que ficarem sem, até porque já estavam aguardando havia horas. Decidido, iríamos para lá, não fosse ficarmos sem combustível. Fui até o posto mais próximo e trouxe óleo. Abastecidos, estávamos de saída, mas um princípio de incêndio no motor nos fez correr novamente para evitar o pior. Felizmente alguns motoristas que passavam pelo local nos ajudaram e pudemos prosseguir, não sem antes procuramos pelo “presente fugitivo” … no total mais cinquenta minutos se passaram e eu estava angustiado pelas crianças.
Bem, finalmente chegamos à escola, que estava… Fechada! Uma ligação para os organizadores, e aí sim, as informações de que precisávamos: o evento de entrega dos presentes seria no dia seguinte; uma equipe iria levar as embalagens, empacotar e fazer as identificações dos presentes; as balas já viriam embaladas para substituir as “enformigadas”; o cachorro (que não era aquele) seria entregue pela própria pet shop que fazia a doação; um outro veículo iria fazer o transporte pois aquele estava sem combustível e com problemas na parte elétrica. Por tudo, isso o Papai Noel não estava no local combinado…
Coincidentemente Groselha se lembrou de estar com o envelope fechado num dos bolsos. E não é que as tais instruções eram aquelas mesmo??? Restou-nos voltar ao depósito, guardar o veículo e deixar tudo a cargo da equipe responsável para o dia seguinte, quando retornaríamos para seguir as instruções, apenas, além é claro de refazermos o muro destruído. Tínhamos também um “cão natalino” para o qual dar um destino (assim que o encontrássemos novamente).
Autor:
Miguel Arcangelo Picoli é autor do livro Momentos (contos) e Contos para Cassandra (em homenagem à escritora Cassandra Rios).