O tempo passou rápido. Groselha já era pai e pela primeira vez seu filho iria participar de um acampamento. Seriam duas noites e dois dias reunindo dez garotos de seis anos com seus pais. Como me meto nestas situações? Bem, fui apenas prestigiar a abertura, mas (e sempre há um “mas”) um dos meninos se viu sem o pai que, sabe se lá o porquê, não compareceu e, como eu estava “sobrando”…
Claro que pensei em recusar, mas imaginei como estava se sentindo sem a presença do pai e como se sentiria em ficar de fora. Já ele não tinha mesmo outra alternativa. Tudo começou na noite de sexta com um jogo de basquete que terminou em 0x0. Confesso que assim como outros adultos fiquei o tempo todo motivando o garoto, mas seu melhor lance no jogo foi um passe certo (afinal… ele poderia mesmo ser meu filho). Mesmo depois de quase duas horas de lances-livres o placar não se alterou e, de comum acordo o título (simbólico) foi “dividido”.
Na prova do “Vamos Contar uma História” descobri que ele era gago. No dia seguinte, pais e filhos participariam juntos de jogos e algumas provas como ciclismo (sequer saí do lugar), natação (nem pensar), corrida (quase morri), “Siga a Trilha” (nos perdemos) que se somaram a outras em que ficamos (sempre) em último lugar, ao lado do Groselha (que precisou ser medicado várias vezes) com seu filho. Minha esperança era pontuar no dominó, mas o dia estava mesmo danado de ruim… nada!
Após o jantar, um momento para pais e filhos conversarem… “o quê?!…” Pedi então que me falasse sobre seu pai: tudo que ele queria (e eu também) é que estivessem juntos. Disse-lhe então que ninguém poderia preencher o vazio deixado por um pai, mas que aquela distância era temporária. Além disso, haveria outros momentos na vida em que se sentiria assim e precisaria aprender a confiar em outras pessoas, pois desta maneira tudo fica mais fácil. Fechamos a conversa com um abraço e fomos descansar.
Já em alojamentos separados (crianças e adultos) Groselha e eu não conseguimos dormir (pelas dores no corpo, gozação dos “adversários” e por tentarmos encontrar algo diferente de “o importante é competir” para dizer às crianças). Bem… nem uma coisa nem outra. O dia seguinte começaria (e terminaria) com novos (e maiores) massacres (se pelo menos barriga pontuasse!). Tecnicamente empatadas, nossas duplas terminaram em último, sem um mísero ponto.
Ao final todos deveriam subir ao palco improvisado para serem cumprimentados. Nossas duplas foram as primeiras (e as mais vermelhas) a serem chamadas. Neste caso os últimos foram os primeiros e para surpresa de todos… considerados vencedores. O objetivo do acampamento era a aproximação entre pais e filhos e a valorização do afeto entre ambos.
De fato expusemos e enfrentamos juntos nossas limitações e inabilidades sem desistirmos (olha que deu vontade). Essa confiança e persistência eram justamente o que seria premiado. Um novo (e forte) abraço selou nossa amizade e o tal pai (vejam só) não comparecera, pois enfrentava um momento difícil em que precisava de alguém que o aceitasse com suas fraquezas e necessidades de “marcar pontos” na vida.
Neste universo competitivo passamos muito tempo querendo ser e provar coisas que, pensando bem, são desnecessárias. Esquecemo-nos então de estarmos disponíveis e sermos parceiros da verdade. Não é preciso acampar (muito menos ficar em último) ou ser pai para se dar conta disto, mas se pudermos contar com a amizade de uma criança, tudo fica mais fácil.
Autor:
Miguel Arcangelo Picoli é autor do livro Momentos (contos) e Contos para Cassandra (em homenagem à escritora Cassandra Rios).