Quando eu era criança, o fiambre parecia ter uma certa magia, daquelas que só as crianças são capazes de sentir. Na verdade, essa magia estava na embalagem, mais especificamente na chavinha que a gente usava pra abrir a lata. Todas as outras latas de todos os outros produtos precisavam de um abridor que se compra à parte, mas a do fiambre não, ela tinha a chavinha.
Sempre que o meu pai voltava do mercado, eu já ia correndo para ver nas sacolas se achava aquela latinha. Quando a achava já ia logo pegando e pedindo para que ele me deixasse abrir, mas sempre ouvia que não, pois poderia cortar meu dedo, eu ficava desiludido e doido para crescer e virar adulto logo para poder girar aquela chavinha que ia arrancando e enrolando uma tira de metal da lata e a dividindo em duas partes, uma maior e outra bem menor, parecendo uma tampa. As duas ficavam com as beiradas cortantes, afiadas como facas.
Meu pai gostava de fazer tira-gosto de fiambre, ele abria a latinha, cortava a “carne” em pequenos cubinhos, juntava com uns pedacinhos de queijo, umas azeitonas, ovos de codorna, cebolas e batatas em conserva e um fio de azeite. Com a porção pronta, era chegada a hora de abrir a garrafa de cerveja super gelada e despejar no copo americano, tinha que ser esse copo, ele que era o copo de tomar cerveja, e tinha que ter dois ou três dedos de colarinho. Em seguida, ele me dava a chavinha e eu ficava brincando com ela o resto do dia. Não me lembro quais tipos de brincadeiras criava, mas, com certeza, em pelo menos uma delas, eu abria uma lata de fiambre imaginária. Eu tinha uma coleção dessas chavinhas e as guardava em um daqueles porta treco de plástico em forma de tubo com tampa de rosca e uma cordinha para pendurar no pescoço e que, naquela época era muito comum em praias e piscinas, pois a água não entrava e podíamos guardar o dinheiro, pois ele não iria molhar.
Todas estas lembranças ressurgiram na minha cabeça enquanto eu fazia as compras do mês no supermercado de costume, mais especificamente enquanto eu passava pela seção dos enlatados. Olhei para uma das prateleiras e dei de cara com uma lata de fiambre. Lá estava ela, entre uma lata de feijoada e uma de salsicha Viena, na última prateleira, lá em cima. Fiquei na ponta dos pés, estiquei o braço, a peguei e joguei no meio das compras que já estavam no carrinho. Passei no caixa, paguei e fui para o meu carro.
Ao chegar em casa, retirei todas as sacolas de compras do carro e as levei para a cozinha, fiz umas 4 viagens. Tomei um banho, pus uma bermuda e uma camisa, abri uma cerveja, enchi dois copos americanos, um para mim e outro para a minha esposa, com aquele colarinho de dois ou três dedos, brindamos e demos o primeiro gole. Me lembrei do fiambre e fui procurar nas sacolas para fazer e relembrar aquele tira-gosto que meu pai fazia. Quando a encontrei, fui abrir, mas ela veio sem a chavinha. Abri com um alicate, fiz a porção, comemos e bebemos. Foi uma noite gostosa.
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