Como prometido, iria ao sítio logo pela manhã levando ferramentas, ferragens e uma boa dose de disposição para ajudar um de meus tios em vários serviços que precisavam ser feitos na velha casa, no galpão inacabado e cercas. Resolvi perguntar ao Groselha se também poderia ir para nos dar uma mão. Aceitou, levando ainda o Groselhinha para conhecer a propriedade.
Enquanto fazíamos os reparos, o garoto foi explorar o sítio e ter seu primeiro contato com muita coisa nova para ele, como… uma taturana. Chorou à beça. Logo depois descobriu como não se deve apanhar um figo-da-índia e quase morreu de susto ao se deparar com um espantalho em meio ao milharal.
Também descobriu que andar descalço não é um bom negócio, ainda mais em galpão minado de ratoeiras. Mais tarde o vi correndo e até comentei com seu pai que deveria dedicar-se ao atletismo, tamanha velocidade em terreno irregular. Breve chegaria até nós com a cabeça inchada por picadas de abelhas e quase sem respiração.
Resolvemos dar algum serviço a ele, para não se ferir com mais nada. Na primeira martelada (no dedo), desistiu. Seu pai sugeriu que brincasse com a bola que havia levado e mais tarde todos jogaríamos com ele. A segurança não durou muito, pois uma pisada num ancinho o atingiu em cheio no nariz. Formigas “lava-pés” fizeram a festa enquanto rolava na grama… Pouco depois precisamos retirá-lo do arame farpado… que coisa…
Seu pai então lhe disse para andar a cavalo. Deu-lhe as instruções básicas, mas esqueceu-se de recomendar cuidado ao passar sob as árvores. O resultado foi uma pancada na testa e uma queda (feia) do animal. Por último, quis ajudar minha tia a recolher lenha e ganhou uma grande farpa na mão.
Hora do almoço! Uma “senhora” polenta com frango, macarrão, farofa… que delícia! Tinha a impressão de que ficaria difícil trabalhar depois da boia. Também de barriguinha cheia, o garoto resolveu brincar com os cachorros (de barrigas vazias), esquecendo-se de lavar as mãos lambuzadas de molho… parecia uma adaptação de “Os Pássaros”, mas com cães e, até escapar, foram várias dentadas nos dedos.
Até que recebeu uma missão simples: pegar alguns ovos para tia Olga fazer um bolo. Logo voltou com os ovos e um galo (na cabeça) conseguido no portão do galinheiro. Depois disto, ele simplesmente sumiu e o encontramos horas depois e pouco antes de escurecer, no pomar, pois tinha habilidade para subir em árvores, mas não para descer. Deu algum trabalho, mas conseguimos resgatá-lo. Já sua tremedeira custou a passar.
Enquanto nos despedíamos de meus tios, Groselhinha foi atingido na cabeça por uma (grande) manga espada. Ambos caíram de maduro… No caminho de volta já veio retirando carrapatos, aos quais era alérgico. Bem… ao chegar em casa, sua mãe o aguardava com um chinelo e uma lista de motivos para lhe bater.
Tendo sobrevivido a tudo e mesmo estando bastante cansado, tarde da noite ainda pretendia assistir a um filme com seus pais. Desistiu assim que viu o título: Estado de Sítio…
Autor:
Miguel Arcangelo Picoli é autor do livro Momentos (contos) e Contos para Cassandra (em homenagem à escritora Cassandra Rios).