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sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Café Floresta

Às sextas, gosto de sair para tomar café e fazer compras. Sexta passada fui a uma cafeteria no edifício Copan na praça da República. Um amigo arquiteto, César Reis, indicou essa cafeteria, ele disse que eu iria adorar. E eu adorei. É um edifício amplo, ladeados por enormes paredes que dividem inúmeros pontos comerciais como: restaurantes, lojas, livrarias, cafeterias e galerias. O César indicou o Café Floresta, que ficava mais à frente. É uma cafeteria estilo tradicional, sem frescura, com um ótimo café servido para se consumir em pé, no balcão da casa. A cafeteria está ali, naquele prédio há mais de quatros décadas. Ela está localizada no térreo de um dos edifícios mais icônicos de São Paulo, o famoso Copan. A loja permanece no mesmo estilo desde que ela inaugurou. Quando adentrei o interior da cafeteria meu olhar se prendeu na luminosidade natural que vinha da lâmpada pendada no teto. Me aproximei do balcão para enxergar melhor o mural antigo com imagens do café sendo colhidos por mãos negras que faz da cafeteria mais que um ponto qualquer, uma valorização da história do café. O cardápio é enxuto: café expresso ou com creme chantilly, água com gás de Minas Gerais, sucos naturais, refrigerantes, bolos diversos e o pão de queijo, que, a propósito, é o melhor pão de queijo que já comi na minha vida- uma improbabilidade cósmica que intrigou profundamente as minhas pupilas. Mas pretendo voltar lá, para experimentar o famoso pastel de belém. 

A semana toda eu fiquei pensando naquela cafeteria. Fiquei pensando na mera existência daquele lugar. Um pedacinho curioso e deslocado de um mundano escondido dentro de um prédio. No edifício Copan se encontra o famoso Cuia, da Bel Coelho, que a propósito almocei lá antes de ir no Café Floresta. O restaurante da Bel nos convida para um brunch, almoço, jantar, café ou drinque, seja no salão com cozinha aberta ou em uma das mesinhas abertas por fora. O que me chamou a atenção foi uma estante de livros e alguns discos sobre uma mesa. O cardápio da Bel também é enxuto: os pratos cosmopolitanos privilegiam ingredientes nativos e agroecológicos e valorizam os biomas e culturas alimentares de todos os estados brasileiros. O ambiente é aconchegante e traz uma harmonia para quem nela adentra. Um garçom muito agradável me disse que o fruto daquele lugar é das vivências com as famílias na cozinha e no quintal, das viagens e das profundas e constantes pesquisas de Bel Coelho. 

Enquanto eu escolhia o que comer, olhava a volta uma comunidade lgbtqia+, pretos, indígenas e aí eu descubro que a Bel Coelho é uma mulher militante, que defende com firmeza e competência a alimentação saudável, sem venenos e acessível para todos, além de apoiar e acolher todas as classes e pessoas que sofrem discriminações e preconceitos. 

 – Moço, me vê o melhor vinho seco da casa. Depois vejo o que comer. Disse eu para o garçom. 

Em alguns minutos, o garçom me traz o decanter e uma taça Borgonha. Me senti no céu quando ele equilibrava o vinho dentro do decanter e colocava suavemente na taça. Naquele instante tive uma aula sommelier com o garçom. É aí que percebo as improbabilidades da vida e a razão de existir.  

Me dou conta de que São Paulo costura as histórias que conto. 

Pago a conta e dou a gorjeta para o garçom. Saio do Cuia e vou para o Café Floresta. Enquanto ando, tiro do bolso meu celular para registrar a beleza que meus olhos viam. O passeio pela República fez bem para mim. E o edifício Copan tem sido um guia sagrado. A verdade é que cada passo que dou, parece que estou no céu, de tão encantador e puro é aquele lugar, talvez seja mesmo; talvez o que eu sonhei viver ainda na minha infância, tranquei no diário e nesse instante destranquei ele e todos os meus segredos que tiver, me arrebatam em cada conquista e sonho que vivencio em São Paulo. Sou munido do magnetismo eterno. 

Não pense você, leitor, que é fácil escrever sobre isso, essa coisa que eu chamo de emoção, a escrita pede para ser transbordada, mas mora em mim, uma força maior que a impede de sair. Essa força me tortura. Pensei muito excessivamente sobre o que escrever sobre esse dia, sobre preencher meu bloco de escrita com as lacunas do cotidiano. Quando eu vejo, a escrita está saindo pelos meus dedos e flui na folha branca. Escrever sobre as coisas da vida, aterrissar o presente, soborear o prazer de viver é manter suspenso no ar a palavra que a força maior que vive em mim comanda ela. 

O César não sabe, mas a dica que ele me deu, mudou completamente a minha vida. O edifício Copan desde então se enraizou em minha mente. O César não só indicou o Copan, como indicou muitos outros lugares que eu ainda não visitei. Tenho a impressão de que ganhei um guia grátis. Nós nos conectamos de uma força incrível. 

Enquanto tomo café no Floresta, cafeteria indicada pelo César, envio a ele uma foto tomando café lá. E ele me responde surpreso e feliz. É aí que percebo com clareza que nossa conexão é divina. Por uns minutos fiquei conversando com ele pelo celular, até nos despedirmos. Paguei a conta e agradeci gentilmente a moça que me atendeu com delicadeza. Resolvi caminhar um pouco pela praça da Republica até avistar a Bacio Di Latte e experimentar um gelato de menta antes de pegar o uber pra casa. 

Cheguei em casa e fui direto para a escrivaninha registrar o dia no meu bloco de escrita! Mas e agora, como faço para as palavras de dentro de mim fluir no papel? Fiz questão de colhê-la onde ela estava presa: nas papilas degustativas. Sim, o sabor do vinho e do bolinho de bacalhau da Bel ainda estavam na minha boca. O café expresso e o pão de queijo do Café Floresta ainda estavam na minha boca. Nesse instante descubro o ponto fraco dessa força maior que impede a escrita sair de mim.

Nesse instante peço a São Francisco de Sales e todas as correntes de santos que me abençoe com sabedoria para superar esse desafio que enfrento: uma força maligna dentro de mim que impede a transudação da escrita.

Autor:

Lucas Dolher

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