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domingo, 25 de agosto de 2024

Ruta e Triarte: casais simplesmente complicados

Dizem que notícia boa não vende porque o povo gosta é de de uma boa encrenca. Ninguém comenta ótimas relações pessoais ou familiares, mas onde tem desavença a fofoca corre solta. O que aconteceu com dois famosos moradores de Brejo Seco ilustra essa afirmação. 

Desde a tenra infância, eles moraram em casas geminadas, sempre às turras, um aprontando com o outro e cada família defendendo seu rebento. Nada mudou quando foram para a escola, na mesma turma. Felizmente nunca chegaram às vias de fato, pois Ruta prometia abrir um canal paralelo para escorrer o xixi de Triarte, que por seu turno gabava-se por conhecer vários locais para desovar um corpo sem ter de cavar muito.

As famílias também não se bicavam. Eram como vinho ruim: melhor ficar com a rolha na boca. Discutiam por qualquer coisa que o outro fizesse ou deixasse de fazer. Na igreja havia certo respeito e até cumprimentos, pelo menos até o pastor proferir o último amém e deixar o recinto. Colegas de colégio e vizinhos jogavam lenha na fogueira, desafiando um a cumprir as promessas de acabar com o outro.

Certo dia, na hora de conferir as presenças, a professora ficou curiosa com as origens daqueles nomes estranhos.

  • Triarte.
  • Presente.
  • Nunca vi um nome igual ao seu. Qual é a origem?
  • Meu avô se chama Monarte, meu pai Duarte e eu, na sequência, Triarte.

Os alunos conheciam o fato, mas riram como se fosse a primeira vez.

  • Ruta. Ou seria, Rita?
  • Presente, professora. É Ruta mesmo.
  • Taí outro nome que nunca vi antes. Você pode me explicar a origem.
  • Sim, posso. Meus pai se chamam Patti e Tania Rutinni. São Italianos, de Siracusa, na Sicília. A família costuma misturar as sílabas dos nomes dos pais para criar os nomes dos filhos.
  • Mesmo assim ainda não entendi o porquê de Ruta.
  • Somos 5 filhas. A mais velha é a Pata Rutinni. PA de Patti, TA de Tania. 
  • Continuo não entendendo o seu nome.
  • As quatro primeiras são Pata, Peta, Pita e Pota. Sou a quinta filha e papai usou uma sílaba do sobrenome, RU. Aí ficou Ruta. Não sei por que ele mudou.

Nova gargalhada, porque todos entenderam o motivo há muito tempo. A professora conteve o riso e disse que depois conversaria com a aluna.

Ruta e Trieste passaram no concurso da prefeitura de Brejo Seco. Durante anos trabalharam lado a lado e a encrenca ganhou as redes sociais. Foram criados grupos na Internet, blogs, canais no Youtube, tudo para comentar “As intrigas de Brejo Seco”. A rivalidade foi tema de um Globo Repórter e a Netflix tentou gravar uma minissérie, mas não houve acordo com as famílias. Jornais e revistas noticiavam o perrengue, que também foi objeto de dissertações de mestrado e tema de dois livros de psicologia. Em Brasília, houve até pedido de instalação de CPI.

Como tinham amigos comuns, encontravam-se em festas e eventos. Todos ficavam atentos e com os celulares prontos para registrar alguma baixaria. Um dia, Ruta e Triarte foram padrinhos de casamento da filha do chefe. Passaram um fim de semana num resort, posaram para fotos, caminharam de braços dados, jantaram lado a lado e dançaram, tudo conforme a convenção social. Foi quando a coisa toda começou a mudar. Após quase três décadas se bicando, eles acabaram namorando e casaram-se. 

Foi um alvoroço, nas famílias, no círculo de amizade, na mídia e até na igreja. Ninguém jamais imaginou esse desfecho e o casamento foi notícia imprensa. Errou quem apostou em confusão. Houve até um bolão com palpites sobre quem não compareceria ou diria “não” em vez de “sim”. Porém, correu tudo na mais perfeita ordem e o beijo após a declaração de casados foi o mais longo já registrado. 

Quem pensou que jamais haveria intimidade necessária para gerar filhos, surpreendeu-se quando Ruta anunciou a gravidez de gêmeos. Um assunto ganhou corpo nas rodas de conversa, bares e na igreja: com o fim do conflito, Brejo Seco voltaria a ser pacata e sairia do noticiário, gerando prejuízo. A vida seria um marasmo total e tinha gente pensando até em se mudar de lá.

A imprensa quis cobrir o nascimento para encerrar a história, mas o parto foi complicado porque um impedia a saída do outro. Brigaram, choraram, Ruta teve hemorragia e os três foram parar na UTI. Tão logo foi liberado o acesso ao berçário, cinegrafistas e repórteres transmitiram as primeiras imagens de Caim e Abélia, nomes que romperam a tradição de misturar as sílabas. Mas por que Caim e Abélia? Simples! A cidade explodiu em alegria e houve até queima de fogos quando as TVs mostraram os gêmeos lado a lado, aos berros, Caim enfiando o dedo no olho de Abélia e ela apertando a bochecha do irmão. Para alívio geral, novo perrengue surgia e Brejo Seco permaneceria no noticiário. Vida que segue!

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

20 COMENTÁRIOS

  1. Como dizia o saudoso Renato Russo: “Quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração?”
    Com esses nomes que deram aos filhos, se não tomarem cuidado, é capaz de Brejo Seco em vez de notícias perenes se perpetuar na mídia, a exemplo de caso correlato (rsrsrs).

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