Costumava-se pensar, e ainda hoje algumas pessoas ainda pensam, que a tradução é um processo puramente mecânico, que o tradutor simplesmente toma as palavras do texto original, uma por uma, e as passa da língua em que esse texto foi escrito para a língua para a qual pretende fazer a tradução.
Levando-se em consideração essa hipótese, já não existiriam mais pessoas encarregadas de traduzir, essas pessoas já haveriam sido substituídas por máquinas, principalmente por computadores, que além de fazer tudo o que fazem ainda traduziriam. Mas, nas palavras de Paulo Rónai, “As palavras não possuem sentido isoladamente, mas dentro de um contexto, e por estarem dentro desse contexto”, o que põe abaixo tal probabilidade, pois um computador tem seu funcionamento baseado em operações lógicas, seu sistema binário de algarismos “1” e “0” sempre entenderá o “1” como “1” e o “0” como “0”, mas, principalmente em um texto literário, às vezes, o “1” pode ser uma forma metafórica de se dizer “0” e vice-versa dentro de um determinado contexto, o que também poderia ser diferente em outro contexto diverso, como ressalta Rónai quando diz que “quase todos os vocábulos estão sujeitos a ambiguidades” e que a palavra “só adquire sentido graças às demais palavras que lhe são associadas em enunciados”.
Outro fato que merece atenção é o de que uma língua carrega traços da cultura de seus falantes. Uma certa expressão existente numa língua A pode não ter uma expressão correspondente numa língua B, mas a mesma ideia que é expressa naquela língua A pode ser expressa na língua B por outra expressão totalmente diferente da expressão da língua de origem. Para isso, o tradutor deve estar familiarizado tanto com a língua para a qual pretende traduzir quanto com a língua em que foi escrito o texto que pretende traduzir, deve ler textos e estar atualizado com novidades surgidas recentemente nas línguas de origem e de destino.
Também o uso de dicionários é de extremo auxílio numa tarefa dessas, a de traduzir, pois, afinal de contas, ninguém possui um dicionário ou enciclopédia natural em sua mente, nas palavras de Rónai: “Desconfio do tradutor que se gaba de transportar qualquer texto de uma língua para outra à primeira vista, com facilidade igual, sem jamais recorrer aos dicionários. O máximo a que ele deve aspirar não é saber de cor uma língua estrangeira (pois nunca se chega a conhecer a fundo nem sequer a materna) e sim a adquirir um sexto sentido, uma espécie de faro (…)”. O tradutor, então, em outras palavras, não deve querer saber tudo sobre as duas línguas com as quais trabalha em suas traduções, o que seria impossível, mas sim querer adquirir um senso crítico, levar em conta o bom senso. Porém deve-se saber que não se pode depender de dicionários bilíngues para a realização de traduções, eles devem ajudar na compreensão da leitura do texto original, como ressalta Rónai: “Os dicionários bilíngues, inclusive os melhores, ajudam a compreensão, mas são bem pobres em sugestões para o tradutor”, “Eles contêm, pelo menos, os modismos e seus correspondentes. Essa equivalência, porém, é condicional e deve ser aproveitada sempre com desconfiança”; isso deve-se ao fato de nenhuma língua ser estática a ponto de ser totalmente descrita ou resumida, com todos os significados de suas palavras e expressões, num dicionário, como se este fosse um manual que se seguido à risca e decorado fornecesse a uma pessoa o conhecimento suficiente para dominar certa língua e se considerar um falante e leitor fluente desta língua.
Retomando a ideia inicial deste trabalho, notamos que, pelos argumentos apresentados neste texto, ainda que sejam poucos e limitadamente discutidos, a imagem que se tem do tradutor não condiz com a realidade dos fatos os quais este enfrenta no dia-a-dia de sua profissão. Há mais coisas em jogo do que a tradução de palavras, diria até mais, que o que menos se faz quando se está traduzindo é traduzir palavras ou frases, mas sim traduzir ideias, saber quando e como essas ideias podem ser mantidas ou substituídas por outras de igual valor na língua de tradução. É também um trabalho psicológico, ao passo que o tradutor muitas vezes precisa se transportar para dentro da cultura, e às vezes até para dentro da cabeça, do autor do texto na língua de origem.
É importante também considerar que muitas pessoas pensam ser muito fácil, não somente o ofício da tradução, mas também várias outras tarefas as quais desconhecem por não exercerem-nas ou por não terem tido um contato maior, mesmo que teórico com tais tarefas.
Felizmente, hoje em dia, essa visão que se tem do ofício de tradutor, apesar de lentamente, está mudando, principalmente devido a traduções de best-sellers, os quais muitas pessoas querem ler, até por estar na moda, mas desconhecem a língua na qual o texto foi escrito, o que vem ajudando a desmanchar essa antiga imagem que se tem do tradutor, pelo menos a imagem que está na mente dos leitores.
Referências bibliográficas:
1. RÓNAI, Paulo. A tradução vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
2. RÓNAI, Paulo. Escola de tradutores. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
§ Capítulo 1 – Traduzir o intraduzível
§ Capítulo 2 – Tradução literal e efeitos de estilo
Estimado Sr. Edson,
Óptima reflexão, traduzir duma língua para outra implica conhecimento de culturas por detrás das línguas. Actualmente, a profissão de tradutores está sendo reconhecida, por intermédio de vários trabalhos no mercado “best-sellers”, mas o caminho de aceitação é ainda longo. Em certas latitudes a profissão de tradutor é ainda marginalizada.
Parabém pela reflexão.
Américo Tarcísio
Obrigado!