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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Metáfora

Na composição textual, as figuras de linguagem têm um papel importante, que é o de dar uma nova dimensão ao texto. Na mudança de sentido pode-se, num uso figurativo, dar a uma coisa um nome que pertence a outra coisa à qual aquela se associa. Quando há uma aproximação por semelhança, temos uma metáfora, quando esta aproximação é por contiguidade, temos uma metonímia. Nesta, a coisa recebe o nome de outra com a qual está em contato. No caso da metáfora, processo mais comumente utilizado, o que fazemos é dar a uma coisa o nome de uma outra que não tem relação alguma com a primeira. Por ser muito popular, tal figura de linguagem é uma poderosa fonte de novos conhecimentos: “Uma frase como José é um palito leva quase automaticamente a pensar em magreza (e não na possibilidade de usar José para palitar os dentes)” (ILARI, 2004, p. 109).

Destacamos a metáfora, muito usada na literatura, em textos propagandísticos, em críticas e até mesmo no nosso dia-a-dia. Ela é uma forma viável de aproximação de sentidos e tem a função de exprimir algum juízo ou valor.

O Dicionário Houaiss da língua portuguesa apresenta um verbete que traz a seguinte etimologia para a palavra metáfora:

lat. metaphòra,ae ‘metáfora’, do gr. metaphorá,âs ‘mudança, transposição’, p.ext. em ret ‘transposição do sentido próprio ao figurado, metáfora’, do v. metaphéró ‘transportar’; ver met(a)- e –fora; f.hist. sXIV metaphora, 1450-1516 metaforas

Nas Teorias Clássicas (Cícero, Quintiliano) considerava-se a metáfora como sendo um recurso linguístico de natureza puramente ornamental, que seria utilizado para se transformar um estilo vulgar em um estilo mais nobre ou sublime. Ela seria um recurso exclusivamente estilístico/poético de ornamentação retórica e do discurso literário, que se vale dela para expressar o amor, a alegria, a dor, as decepções, desafiando o conhecimento do leitor. Neste sentido, ela se faz presente até os nossos dias. Vejamos um exemplo:

Sou entre flor e nuvem,

Estrela e mar.

Por que havemos de ser unicamente humanos,

Limitados em chorar?

(MEIRELES, 1983, p. 278)

As figuras da flor, da nuvem, da estrela e do mar expressam o desejo do “eu” de superar a condição humana. Cada uma dessas figuras usadas no poema para definir o eu lírico traz várias imagens, como por exemplo, a flor pode nos remeter à ideia de algo sublime, belo ou delicado; a estrela pode representar o brilho perene, a grandeza ou a reluzência.

Olhar para a metáfora como um recurso exclusivo do discurso literário restrito apenas ao campo da linguagem, desconsiderando totalmente seu papel nos nossos pensamentos e ações, leva as pessoas a pensar que podemos viver perfeitamente sem tal recurso. Infelizmente, ainda hoje há pessoas que ainda pensam desta forma.

A metáfora atualmente é entendida como um recurso de natureza cognitiva e do qual nos utilizamos em nossa linguagem cotidiana. Ela consiste, como se sabe desde Cícero e Quintiliano, no uso de um símbolo de uma ordem no lugar de outro símbolo de outra ordem, em se conceber uma coisa em termos de outra, atribuindo a esta coisa um significado imagético ou improvável. Ela consegue fundamentar correspondências entre dois conceitos de objetos ou seres situados em domínios mentais distintos que jamais seriam relacionados por meio de uma simples analogia.

Pode-se sugerir uma classificação das metáforas em: lógicas, aquelas nas quais a semelhança é despertada pela forma; sinestéticas, que levam em conta as qualidades da forma; afetivas, que carregam em si um sentimento. Estas últimas encontram seu grau máximo na linguagem familiar. Elas são construídas no discurso e variam na mesma proporção que este. Uma criança, sem sequer fazer a mínima ideia do que seja uma metáfora, utiliza-se deste recurso no seu dia-a-dia com seus pais, colegas e na sala de aula. Ao perguntar a uma criança de nove anos o que é raiva, ela responde: “Raiva é um balão grande, que enche e depois estoura”. Aqui a raiva é representada pelo balão grande, o que nos causa apreensão, de um recipiente capaz de suportar certa quantidade de alguma substância e que, atingido o limite dessa capacidade, estoura, e a explosão seria o ápice da própria raiva.

Nos dias de hoje a metáfora é entendida como um processo do pensamento que não consiste numa simples comparação de símbolos. Ainda assim há, de certa forma, uma comparação, mas que não se utiliza de conexões. Em todas as suas ocorrências, através de um ponto de semelhança, por mais sutil que esta seja, um símbolo que está fora de seu contexto natural acaba evocando outro, sem a necessidade de que este esteja expresso, bastando ser evocado. Algumas metáforas estão tão internalizadas que já não nos damos mais conta da comparação que existia originalmente entre os termos que tiveram seus conceitos, por mais distintos que estes fossem, aproximados durante o processo de formação desta figura de linguagem. Vejamos a sentença Leandro é um gato: analisando-a, constatamos que Leandro é bípede, mamífero, humano, fala e pode ser sensual; o gato é quadrúpede, mamífero, felino, mia e é considerado sensual; comparando Leandro com o gato notamos que originalmente existia uma comparação graças ao traço comum entre os dois, a sensualidade.

É muito difícil fazer com que o interlocutor compreenda o nosso pensamento, os nossos sentimentos, as nossas emoções. As metáforas são um recurso do qual nos utilizamos na tentativa de sanar tal deficiência da linguagem. Para tanto, utilizamo-nos de um símbolo mais evocador, mais enfático, que seja mais capaz de transmitir nossas ideias e sentimentos para o nosso interlocutor, ampliando ou restringindo o valor semântico daquilo que dizemos, que será interpretado de acordo com a vivência e o conhecimento de mundo do nosso interlocutor. “Toda essa estrutura metafórica consistente e detalhada faz parte de nossa linguagem literal cotidiana […] e é tão familiar que normalmente nem a percebemos” (LAKOFF & JOHNSON, 1980, p. 102). Por isso, podemos dizer que nosso sistema conceptual ordinário é por natureza fundamentalmente estruturado e definido metaforicamente.

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