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domingo, 17 de novembro de 2024

Barbie, Indy e Oppenheimer no escurinho do cinema

Num canto escuro do corredor de acesso às salas do Cine Matográfico, Barbie, Indiana Jones e Oppenheimer aguardam ansiosos a entrada dos fãs e não escondem a curiosidade em saber quem terá público maior, mas de onde estão, não veem as filas e não escutam o burburinho no hall. Oppenheimer perguntou ao Indy onde ficam as cabines telefônicas e onde vendem fichas. Barbie entrou na conversa.

  • Cabines? Fichas? Tio, você está por fora! Que nome difícil de se falar! Vou te chamar de Oppe.
  • Difícil? Olha o seu nome de batismo: Bild Lilli. Você mudou para Barbie quando veio para os Estados Unidos e viu que com o nome original não venderia bonecas.
  • Darling, não tem mais cabine telefônica e ficha. Tudo isso é coisa do passado. Se atualiza, Oppe! Hoje as pessoas só usam celulares, que não existiam no seu tempo.
  • No meu tempo? Você nasceu em 1959 e é filha de alemães, assim como eu.
  • De alemães eu entendo – falou Indy. Principalmente de nazistas. Briguei com eles em Caçadores da Arca Perdida. Barbie, você nasceu em 1959? Tá com tudo em cima, garota! Eu também tenho doutorado, sou professor e me chamam de Doutor Jones.
  • Pode ser, mas o meu é doutorado é de verdade. Harvard, Física Teórica, 1925.

Ninguém gosta de admitir a idade, mas para o leitor menos avisado, o eminente físico Robert Oppenheimer, pai da bomba atômica, morreu em 1967, aos 63 anos. Ele viu a Barbie nascer, em 1959, mas bonecas não eram seu hobby. Indy ficou na dele. Ninguém sabe exatamente quando nasceu, suas bonecas preferidas eram de carne e osso e mudavam a cada aventura. Uma mais bonita que a outra.

  • Use meu celular – disse Barbie. É só digitar e apertar o botão verde. A Apple me prometeu um com botão pink, mas ainda não mandou.
  • Obrigado. É ligação local. Ah! Ninguém atende. Que droga!
  • Para quem você ligou?
  • Para mim mesmo. Ninguém atendeu e não quis gravar recado. Esqueci o que queria falar.
  • Físico teórico é tudo doido mesmo!

O trio observou o público entrar e as salas lotaram em instantes, mas o que chamou a atenção foram os trajes. Na sala de Barbie, 70% da plateia eram meninas e moças vestindo pink e 30% mamães, titias e seres exóticos que Indy e Oppe não conseguiram classificar. Na sala de Indiana Jones, homens de meia idade com jaqueta surrada, chapéu e chicote. Na sala de Oppenheimer, poucos jovens, muitas senhorinhas e idosos de paletó, gravata e boina para proteger a careca.

  • Frouxos – comentou Indy – ninguém com um Smith & Wesson cano longo na cintura.
  • Vocês são muito ranzinzas! Reclamam de tudo. Já eu sou puro açúcar num planeta cheio de formigueiros. É por isso que “todes” me adoram.
  • Todes?
  • Isso. Todes! Serve para meninas, meninos e quem vocês não conseguem classificar.
  • No meu tempo era ele ou ela. Simples assim. E olha que eu fui um cientista famoso e adorável.
  • Se tirar o “adorável”, todes concordam.

Os três ficaram trocando farpas por duas horas e nem assistiram seus próprios filmes. Na saída, foram reconhecidos por dois nerds.

  • Olha que maneiro! – disse um deles. As fantasias se parecem com os trajes originais!
  • Não são fantasias. Nós somos os originais. E vocês? Quem são?
  • Somos desenvolvedores de TI, IA e Chat GPT. Nós somos o futuro!
  • Mas que droga é tudo isso?
  • Tecnologia de Informação e Inteligência Artificial. Com o Chat GPT, criamos textos, pesquisas e qualquer tipo de roteiro. Sacaram?

Os nerds explicaram que com TI, IA e Chat GPT, atores, atrizes, roteiristas e diretores serão dispensáveis. Basta uma ideia e algumas imagens e vozes de arquivo produzir uma trama. 

  • Não haverá mais emprego para gente como vocês e o expectador vai poder interagir com a obra em vários metaversos.
  • Poxa – disse Barbie. O que os atores farão?
  • Ficarão na plateia, ora essas. Seremos os produtores, roteiristas e diretores. Criaremos tudo: personagens, cenários e até trilha sonora. Necessitamos apenas de alguns acordes. Cinema e TV já eram. As pessoas assistirão tudo pelo celular, smart watch e óculos de realidade virtual.
  • E onde entram o talento e as habilidades dos artistas?
  • Nem no teatro! Robôs humanoides substituirão atores inúteis no palco. Detalhe: eles podem trabalhar 24 horas por dia, sem salário e sem cansaço. O futuro é nosso! Ficaremos bilhardários e circularemos pelo mundo inteiro.

Os dois nerds ainda riam quando Barbie sensualizou e os distraiu. Indy imobilizou um deles com o chicote e usou o Smith & Wesson para sossegar o outro. Oppenheimer ajudou a trancar dupla no banheiro, mas não sabiam em qual dos oito banheiros entrar, pois na sopa de letrinhas nas portas, a letra “I” não era de “Imbecil”. Entraram no mais perto e o físico ajustou o timer da mini bomba atômica de 0,01 microton, suficiente para mandar os nerds para algum metaverso. 

Que I. A., que nada, filosofou Indy. Podemos ter egos exacerbados, mas nenhum software nos substituirá. A Inteligência Artificial não é páreo para a burrice desses nerds. Mas os seus sonhos foram realizados, pois os órgãos foram transplantados para pessoas de diferentes países e hoje eles circulam pelo mundo todo. Em partes, claro. 

Barbie foi buscar o Ken na depilação. Ele anda meio deprê. Oppenheimer e Indiana ficaram no cinema, curiosos para assistir outra estreia. Se para ver Barbie as pessoas vestiram rosa, o que será que usarão para ver Adão e Eva? O show não pode parar!

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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