Lembro-me de um caso em que tive estreita participação… Como haveria eu de esquecer? Minha relação com o desespero dessa pessoa produziu grande parte do meu próprio desespero. Ela, certa vez, disse-me: “Tem um monstro no portão!”. Na ocasião eu disse a ela que não havia monstro algum, que era só alucinação, delírio, principalmente por causa dos medicamentos que desajustam por alguns momentos o senso de realidade. Péssima tentativa de acalmá-la… Só tornei maior, naquele instante, sua confusão mental, porque ela jurava, cada vez mais apavorada, ter visto um monstro no portão, e ficava confusa por eu não o estar vendo. Ela, então, abateu-se mais, dizendo: “Então estou mesmo ficando louca?!”.
Hoje entendo que o “monstro no portão” existiu mesmo… Era, para ela, real! O “monstro” fazia parte de uma real alucinação; era uma experiência incontestável!
De que adianta dizer a quem delira, que determinado acontecimento é delírio, alucinação? O que tal pessoa “vê” é, para ela, a mais pura realidade! Além disso, o “monstro no portão” era uma espécie de transfiguração do medo de se relacionar outra vez com pessoas, de se lançar à vida, enfrentar o mundo lá fora, onde tudo pode acontecer… Eu deveria ter percebido a mensagem transfigurada em “monstro no portão”. Definitivamente não é recomendável tentar dissuadir o delirante quanto ao delírio, que, na verdade, é só um sinal ao terapeuta ou pessoa mais próxima no dado momento. O delírio é, de um modo geral, um velado pedido de socorro _excetuando casos de infecção ou lesões que comprometam funções cerebrais.
O delírio, em casos graves, acontece quando o individuo já não consegue relacionar-se com a sua realidade, quando uma mudança abrupta no “roteiro existencial” ocorre, ou quando uma tão necessária mudança é firmemente impedida, “desfazendo ou bloqueando a linearidade” dos acontecimentos.
Não há, de início, nada de ruim em delirar. Todos, de algum modo, deliramos, uma vez ou outra. A natureza, com a sabedoria que lhe é peculiar, deu-nos isso como um “mecanismo”, que tem por finalidade facilitar nossa relação com a realidade. Não há realidade “nua e crua” com a qual seja possível conviver em todo o tempo. O homem precisa de um “refugio”, de um “recuo estratégico”, de uma provisória fuga à realidade.
Repito: o problema não está em delirar. Claro que há delírios que extrapolam a medida da necessidade, e os tais constituem-se condição patológica, merecendo intensificada atenção. Sobre delírios de ordem adaptativa, isto é, não patológico, dou um exemplo. Verifique se reconhece o autor do relato abaixo:
“É evidentemente irônico que eu, um psiquiatra, encontre em mim o mesmo tipo de material que caracteriza a psicose e identifica os psicóticos. Mas, estou convencido de que não é o material que importa, e sim, a forma de se lidar com esse material. O problema dos psicóticos é que eles se confundem e se perturbam com as imagens do inconsciente, que são, basicamente, a matriz de uma imaginação mito-poética que desapareceu de nossa era racional. ( … ) Os anos mais importantes de minha vida, foram aqueles em que me dediquei a compreender as imagens de meu inconsciente. Foi nesse período que se formou a base de meu pensamento psicanalítico. O essencial estava lá. O resto foram só detalhes, complementações ou esclarecimentos de todo aquele material nascido no meu inconsciente, e que, a princípio, quase me sufocou. Aquelas imagens se constituíram na matéria-prima para toda uma vida de trabalho…”.
Esse relato é do mais celebre discípulo de Freud, e considerado o fundador da Psicologia Analítica: Carl Gustav Iung.
Claro que, chamar delírio, alucinação, de “matriz de uma imaginação mito-poética que desapareceu de nossa era racional” é, por si, um delírio, talvez com raízes na alucinação _ou parte de um_ visto não conter, em tal afirmação, nem mesmo um fio de lógica, sendo, toda ela, estimulada pela própria capacidade imaginava em estado excitatório, unindo-se a tal o pano de fundo cultural de Jung. Porém, o fato de o próprio Jung ter “atravessado algumas correntezas no rio das perturbações psico-fisiológicas”, dá-nos o entendimento de que, o problema, não está, propriamente, no delirar, mas no modo como a pessoa lida com o delírio. Mas, obviamente, um delírio, demasiadamente vívido, é impossível de ser controlado pela pessoa. As experiências de Jung foram superficiais, se comparadas com o caso que relatei, da jovem e o “monstro no portão”, e com o de outras tantas pessoas… Os de Jung eram predominantemente conceituais, emocionais, mas sem a sensorialidade, como olfato, paladar, tato, audição e visão, separadamente ou tudo juntamente, com a intensidade igual ou superior a que se costuma experimentar na relação com a realidade circundante. Ou seja, o delírio alucinatório é o mais complexo, perturbador… Jung _até onde se sabe_ não teve tal delírio.
Mas, o que é, especificadamente, “delírio”. Gosto de pricimpiar uma explicação utilizando, sempre que possível, a etimologia. E a palavra “delírio” é especialmente interessante… Ela vem do Latim DELIRIUM, que se traduz, originalmente, “ato de o arado sair fora do sulco”, compondo-se de “de” (fora) mais “lira” (sulco do arado). Disto derivou o sentido que até hoje predomina, isto é, “que age como um louco”, o que equivale a dizer “agir fora da realidade”.
O delírio é caracterizado por um estado de alteração mental que faz com que a pessoa apresente uma distorcida visão da realidade, sendo que isso pode ser demonstrado de diferentes formas, por meio de uma confusão mental ocasionada por forte impacto emocional, redução da consciência como efeito de medicações ou outras substâncias e por fenômenos alucinatórios. Convém frizar que, grande parte da “Psicologia Analítica”, desenvolvida por Jung, é mais sintoma ou fragmentos autobiográficos sintomáticos do que Ciência ou Teoria Científica, e causa-me espanto que o meio acadêmico tenha recebido tal coisa como expressão científica ao ponto de formar “terapeutas jungianos”. Seria, tal coisa, uma espécie de delírio coletivo? A “Psicologia Analítica” reflete o estado de confusão em que Jung encontrava-se e assemelha-se às expressões artísticas de delirantes sublimando o próprio caos interior.
Que tal um pouco mais de etimologia? “Alucinar” vem do Latim ALUCINARI, que tem sido traduzido como “vagar mentalmente”, “divagar”. Etimólogos dizem-nos que tal palavra deve ter raiz no Grego “alyein”, de “analyen”, cuja traduçãoliteral é “jogar para o alto”, fazendo menção à prática em agricultura antiga, de “separar sementes jogando-as para o alto”. A palavra “alyein”, por analogia, passou a ser utilizada como “distraído”, “alienado” (separado), “mentalmente perturbado”.
Vamos detalhar um pouco mais o que é delírio?
Quais são os sinais de delírio?
É preciso dizer que uma pessoa com delírio não é somente aquela que vê coisas que não estão realmente em um local, como nas alucinações, mas é, também, aquela que fica com a atenção vaga e desfocada e não consegue responder aos estímulos de maneira correta. Há diferentes sintomas de delírio, que incluem:
1- desorientação;
2- dificuldade de fala e/ ou escrita;
3- agitação;
4- irritabilidade;
5- problemas de memória;
6- sentimentos intensificados, muito fora do que a situação tende a gerar nas pessoas.
Os tipos de delírio costumam ser classificados de diferentes maneiras. Tem-se, por exemplo, os alucinatórios. Pessoas com esquizofrenia e transtorno bipolar tendem a apresentar delírios com alucinações.
Uma observação importante é que as alucinações são diferentes da definição de delírio, como já indicado no presente artigo. Alucinações são alterações na percepção dos sentidos, comotato, olfato, visão, paladar e audição. Exemplos: ouvir vozes, outros sons ou ver pessoas ou coisas que não estão presentes. Os delírios, por sua vez, estão mais relacionados à mudança mental, que causa uma visão distorcida da realidade, mais relacionada aos sentimentos do que aos sentidos.
Há o delírio pelo uso abusivo de substâncias lícitas ou ilícitas, como o álcool e outras drogas.
“Delirium tremens” é expressão utilizada em casos de abstinência, que apresentam alucinações e outros tipos de confusão mental.
A nomenclatura “DELIRIUM” é utilizada nos casos de idosos, principalmente quando o delírio está associado à confusão mental; geralmente tem relação com degeneração neurofuncional.
O delírio pode ser ocasionado de forma repentina e terminando subitamente, ou pode durar semanas, dependendo das causas. E quais são as causas de delírio?
Já falamos um pouco sobre as causas, mas podemos desenvolver um pouco mais o assunto, informando que diferentes fatores psico-fisiológicos podem fazer com que uma pessoa seja acometida de delírio. Desidratação, por exemplo, pode gerar delírio, especialmente em casos muito graves de desidratação. A esquizofrenia é a condição mais comumente associada ao delírio, mas outras doenças terminais e/ ou degenerativas podem ocasionar delírios. Alguns medicamentos, como, por exemplo, antialérgicos, medicamentos para tratar transtornos do humor e medicamentos de reposição hormonal podem desencadear estados delirantes. Insônia demasiadamente prolongada também tende a ocasionar estados delirantes.
É de grande importância que não se menospreze a experiência delirante, como sendo algo fora da realidade, porque, embora seja, não é para aquele que delira, de maneira que, as tentativas de dissuadir do contrário, só servirão para ampliar o desespero e potencializar o estado delirante. Além disso, é muito possível que, em certos casos de delírio, haja um “sentido oculto”, uma “verdade camuflada” pela própria pessoa e para ela mesma, por ser, então, insuportável.
Autor:
Cesar Tólmi – Filósofo, psicanalista, jornalista, pós-graduando em Neurociência Clínica e MBA de Recursos Humanos, Coaching e Mentoring, artista plástico, escritor e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínicos, forense, jurídico e social.
E-mail: cesartolmi.contato@gmail.com