Baltasar Gracián, escreveu:
“Não há maior vingança do que o esquecimento.”
Do ponto de vista neuropsicanalítico, “o esquecimento como vingança é um aprisionamento em uma circunscrição existencial”. Quando “não queremos continuar querendo tanto algo ou alguém”, impomo-nos o “esquecimento”, até mesmo para que tal “esquecimento” seja uma constante e perturbadora presença de nós no outro, como punição. Tem a ver com o que Freud chamou de “recalcamento”, que, embora “tire do foco da consciência o objeto do desejo”, o mantém em “estado de latência”, pois configura-se como “desejo de não desejar”. Em tal circunstância, quando há um agravamento, esse “desejo latente” somatiza, ou seja, gera transtornos psico-fisiológicos e, por vezes, o suicídio ou “morte por desistência da vida que se tem”. Na realidade, o suicídio não é “desistência de viver”, mas uma “desesperada saída da vida que se tem por impossibilidade de ter a vida que se deseja tanto”. Isto leva-nos a Emil Cioran, que em sua obra “Nos Cumes do Desespero”, escreveu:
“Eu adoraria perder a razão sob uma só condição: ter certeza de me tornar um louco feliz e brincalhão, sem problemas nem obsessões, hilário de manhã até de noite. Ainda que eu deseje ardentemente os êxtases luminosos, eu não posso querê-los, pois são sempre seguidos de depressões. Eu gostaria, no entanto, que um banho de luz florescesse de mim para transfigurar o universo — um banho que, longe da tensão do êxtase, manteria a calma de uma eternidade luminosa. Ele teria a leveza da graça e o calor de um sorriso. Eu gostaria que o mundo inteiro flutuasse neste sonho de claridade, neste encantamento de transparência e de imaterialidade. Que ele não tivesse mais obstáculo ou matéria, forma ou confins. E que, neste paraíso, eu morresse de luz.”
Realmente “no cume do desespero…”. Como disse Nietzsche sobre niilistas, “preferem desejar o nada do que nada desejar”. Tal ocorre porque, a essência humana se fundamenta no desejo. Toda existência aspira existir, perpetuar-se, inclusive, contraditoriamente, “no nada”, de maneira tal que o deseja, tendo-o, assim, como “algo _e não como nada_ que possa eliminar todos os inconvenientes do desejo, isto é, do existir”. O “desejo do nada” não é uma negação de si, mas uma patológica afirmação de si, que visa “eternizar-se na impossibilidade da finitude que o nada garante”.
Todas as expressões místicas e religiosas, de diversas maneiras revelam o “desejo de não desejar”, de livrar-se de todos os inconvenientes do desejo, isto é, “livrar-se dos inconvenientes do próprio existir”. Assim, criamos as nossas crenças em algum “além-mundo”, em alguma espécie de “superação da finitude”, que, “estampada em nós”, pelo fato de sermos matéria, de termos, consequentemente, forma…, prenuncia-nos, ininterruptamente, o nosso fim. Contraditoriamente “desejamos o nada para evitar a perda de tudo”. Tudo que tem começo terá, fatalmente, fim. O conceito “eternidade” surgiu como “solução” ao desespero humano frente à absurdidade do existir, do “ser destinado a não-ser”. Somente o nada, ou seja, o “não ter nem princípio nem fim”, isto é, a “eternidade”, garante-nos a “liberação da absoluta perda de nós mesmos” _ainda que essa “garantia” seja uma mentira que, a nós mesmos, contamos… O “nirvana”, por exemplo, melhor expressa a “metamorfose-amórfica do desejo de não desejar”, a busca de “salvar para sempre o ego, fundindo-o ao hipotético Todo”.
Existir é viver a absurdidade, usufruindo aquilo que, nela, dá-nos alguma medida de prazer, e se possível, potencializar essa medida! É como “meter a mão em colmeia e, entre picadas de abelhas, deliciar-se, enchendo de mel a boca…”.
Obs.: o texto acima é parte do Curso Intensivo de Teorias Psicanalíticas – Análise à Luz da Neurofilosofia. Informações: cesartolmi.contato@gmail.com.
Autor:
Cesar Tólmi – Filósofo, psicanalista, jornalista, pós-graduando em Neurociência Clínica e MBA de Recursos Humanos, Coaching e Mentoring, artista plástico, escritor e idealizador da Neuropsiquiatria Analítica, integrada aos campos clínico, forense, jurídico e social.