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terça-feira, 3 de setembro de 2024

A taça de cristal

Capítulo Quarenta e Sete      

Depois de uma boa noite de sono, Cecilia estava recomposta. Toda a tensão do dia anterior havia passado como que por magia. A conversa que tivera com seu pai ajudou a acalmar seus nervos. Além disso, não havia motivos reais para todo o pavor que sentira por Ricardo. Afinal… brigavam sempre? Sim, com uma constância nada benéfica para uma relação saudável. Mas quando a situação começou a sair fora de controle, ela rompeu com seu esposo e, de certa forma, tudo entrou nos eixos… ao menos para ela. É certo que seu ex acabou enfiando os pés pelas mãos e terminou nas sarjetas da vida… mas mesmo ele parecia estar se recuperando. Bem, o que ela sabia com certeza, era que mais cedo ou mais tarde teria que conversar com ele. E resolveu que faria isso naquele dia. Era melhor esclarecer tudo de uma vez por todas. Para não haver problemas, primeiro falaria com Roseli, lhe explicando o motivo de marcar um encontro com Ricardo. Seria melhor assim… não queria dar margem para nenhum disse que disse. Ao ligar para Roseli, descobriu porque Ricardo estava caminhando próximo ao seu local de trabalho… ele estava frequentando as reuniões dos Alcoólicos Anônimos em um salão na mesma rua em que ela trabalhava. Bem, então já sabia o que fazer… conversaria com ele após seu expediente… e colocaria tudo em pratos limpos…

O relógio marcava seis horas da tarde. Cecilia desceu em direção à rua e começou a prestar atenção aos transeuntes, até que avistou, ainda ao longe, a fisionomia de Ricardo. Seguiu em frente como se estivessem ao acaso, e se encontraram…

– Ricardo!…

– Cecília! O que faz por aqui?… 

– Estava olhando as vitrines… preciso comprar algumas coisas para casa…

– Vai voltar…

– Ahn? Não, não…  estou falando de minha nova casa…

– Ah…

– E você? Está fazendo o que, por aqui?

– Estou participando de um grupo dos “A.A.”….

– Estava precisando…

– É… depois de alguns tombos na vida, a gente tem que se reerguer…

– E como vai a vida?

– Como diz aquela canção, a gente vai levando…

– Bem, essa é a vida…

– Cecília…

– Pode falar…

– A gente poderia conversar com mais calma? Agora estou em cima da hora para a reunião…

– Conversar sobre o que?

– Sobre nós…

– Mass não existe “nós”, Ricardo… não mais…

– Eu…

– Olha, nossa separação foi definitiva, não tem volta.

– Eu acho que a gente precisa conversar… a gente precisa se entender…

– Desculpa… mas a gente já se entendeu… e se desentendeu, também. Sinto muito, mas para nós dois não tem mais retorno…

– Cecília, eu…

– Desculpa… assim como você, estou com um pouco de pressa, tenho mais algumas coisas para fazer… a gente se vê por aí…

E Cecília deu as costas para seu ex, caminhando em passos firmes, sem se voltar uma única vez que fosse… o rapaz ficou parado, olhando a garota desaparecer no meio das pessoas que transitavam pela rua…   

– Oi, Helena…

– Nossa, Cecília… hoje você demorou, hein?

– Estava conversando com o Ricardo…

– Uau… resolveu enfrentar a fera?

– Não tem fera nenhuma, menina…  eu precisava falar com ele, e fiz isso… assim exorcizo meus fantasmas de uma vez… 

– E como foi?

– Tranquilo…

– Ele aceitou de boa?

– Não muito… queria marcar um encontro…

– E você…

– Pulei fora, é claro. Como já disse uma vez… do Ricardo só quero distância…

– Você acha que ele vai aceitar sua decisão?

– E por acaso ele tem escolha? 

– Tudo o que te peço é… tome cuidado!

– Leninha, a gente não pode viver com medo… pois aí corre o risco de morrer em vida…

– Ceci… não quero ser um pássaro de mau agouro… mas meus sonhos…

– São apenas sonhos, menina… você não deveria dar tanta importância para eles…

Helena não respondeu. Tinha seus receios, e temia pela integridade física de sua irmã. Mas reconhecia que ela estava certa… não se pode viver o tempo todo com medo, ou se corre o risco de apenas vegetar neste mundo… 

– Já decidiu para onde vamos agora?

– Como assim?

– Ué… casa da mamãe ou nossa casa?

– A gente já foi lá ontem, Ceci…

– E que mal tem irmos lá hoje novamente?

– Mal nenhum, mas…

– Ora, Lena… a comida da mamãe é uma delícia… e é muito bom conversar com o papai…

– Está bem, está bem… vamos para a mamãe, então…

E lá foram as duas, conversando sobre amenidades, rindo dos pequenos acontecimentos que ocorreram durante seu dia… Helena contava sobre seus clientes na loja, Cecília falava dos processos burocráticos que tinha que desenrolar durante seu expediente… sim, a tensão do dia anterior parecia ter-se dissipado totalmente…

– Que bons ventos trazem minhas meninas a esse humilde recinto?

– A comida da mamãe…

– Pensei que estavam com saudades de mim…

– Um pouco, né, pai?!… mas a gente tem que confessar que viemos atrás da comidinha da mamãe…      

– Suas interesseiras… mas isso não vai ficar assim, não… eu pedi para sua mãe fazer para o jantar sopa de jiló com pé de frango!    

– Credo, que mau gosto…

–  Mau gosto, por quê?  Esse é um manjar dos deuses… 

– Manjar dos deuses, é? Deixa a mamãe te ouvir dizer isso, e ela vai te crucificar até amanhã cedo…

– Que nada… sua mãe está mais calminha nestes últimos tempos                   

– Confia… confia que vai descobrir o que é bom para tosse…  

– Ué, Helena… o melhor para tosse ainda é um xarope de Erva de São João…. é tiro e queda!

– Ceci, ele entendeu o que eu quis dizer…

– Sim, meninas… entendi… mas a mãe de vocês está menos carola nestes últimos tempos…   

– Que bom ouvir isso… teve uma época que ela estava simplesmente insuportável…

– São fases, crianças… todos nós passamos por elas…    

Riram os três juntos… começaram a conversar banalidades e a pequena Selene veio engatinhando até a sala. Segurou-se nas pernas de Helena, pedindo colo, que ganhou em seguida. E assim ficaram, conversando e rindo de tudo e de nada, até que Estela e Janete os chamassem para a sala de jantar…                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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