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terça-feira, 3 de setembro de 2024

 A taça de cristal

Capítulo Quarenta e Seis

– Cecília…

– O que foi?

– Preciso te falar uma coisa…

– Fala, ué…

– Ultimamente tenho sonhado com você…

– Sério?

– Sim… e isso me apavora…

– Por quê?

– Bem… são sonhos terríveis….

– Que tipo de sonhos…?

– Pesadelos… todo dia te vejo morrendo…

– Eu, hein? Pretendo viver pelo menos até os cem anos…

– Então, por favor… tome muito cuidado…

– Cuidado com o quê?

– Com o seu ex, por exemplo…

– Está sonhando com ele, também?

– Sim… e não são sonhos nada agradáveis…

– Que tipo de sonho?

– Ele te mata…

– Como assim?

– Bem… é como se fosse um aviso… toda noite eu tenho um sonho recorrente… sonho, não… pesadelo! Nesse pesadelo você e o Ricardo começam a discutir, então ele…

– Helena, sonhos são apenas sonhos. Além disso, nunca ouviu dizer que se alguém sofre com alguma situação adversa, na verdade estará se saindo bem na vida real?

– Eu queria ter essa certeza…

– Você dá muita importância para os sonhos, menina…

– Você me conhece, irmã…

Cecília deu de ombros, como se não se importasse com o que sua irmã havia acabado de falar.  Mas por dentro, o medo aflorou. Ela sabia que Helena, embora não aceitasse isso por motivos religiosos (se dizia ateia) tinha o dom da premonição… e raramente errava sobre suas mensagens….

Era pouco mais de duas da tarde. Cecília estava retornando do almoço, para começar a jornada da tarde em seu local de trabalho. Estava um tanto agoniada, pois a conversa que tivera com sua irmã naquela manhã não lhe saia da cabeça. Claro que ela não acreditava muito nessa história de visões do futuro, mas sua irmã tinha um certo dom para prever desgraças… bem, ela esperava que desta vez Helena estivesse errada. As horas estavam arrastadas, nesta tarde. Parecia que haviam passado cola nos ponteiros do relógio, pois a impressão que ela tinha era que eles simplesmente não andavam… bem, isso se devia principalmente ao seu estado de espírito. E assim o dia foi se arrastando, até que finalmente Cronos permitiu que as dezoito horas finalmente chegassem. Cecília desligou seu desktop, despediu-se dos colegas e desceu para a rua. Caminharia até a próxima esquina, onde sua irmã combinara de a encontrar. Não andou nem cinquenta metro, quando sentiu seu corpo todo se arrepiar… a poucos passos de onde ela estava, mas do outro lado da rua, Ricardo caminhava displicentemente… ela virou o rosto, e assim ficou até que seu ex sumisse ao longe. Depois de alguns minutos, se sentindo um pouco mais segura, voltou a caminhar. Helena já a aguardava, procurou embarcar o mais rápido possível. Helena ficou preocupada ao notar que sua irmã estava levemente alterada… 

– O que aconteceu, Ceci?…

– Nada…

– Quem nada é peixe… me diga de uma vez… o que houve…

– Eu o vi…

– O que que você ouviu, menina?

– Eu não disse que ouvi seja lá o que for… eu disse “eu o vi”…

– Tá bem, tá bem… então fala de uma vez… quem você viu?

– O Ricardo…

– O Ri… tá brincando…

Não, é sério… ele estava andando do outro lado da rua… não sei como não me viu…

– Talvez porque não estivesse te procurando…

– Sim, mas quase me encontrou…

– Ceci, mais cedo ou mais tarde vocês vão se encontrar…

– Espero que seja o mais tarde possível…

– O que é que posso te dizer…?

– Sabe que, as vezes, me arrependo de ter voltado?

– Te entendo…

As duas ficaram em silêncio, cada uma imersa em seus pensamentos. Cecília não conseguia parar de pensar na conversa que tivera com sua irmã naquela manhã, Helena só pensava no pesadelo que a perseguia… e assim foram em direção à casa de seus pais…

– Nossa, meninas… que cara de enterro é essa?

– Nada, não, pai… estou com um pouco de dor de cabeça…

– E você, Ceci? Dor de cabeça, também?

– Não… é que acabei de ver um fantasma…

– Fantasma?!….    

– É…

– Pensei que você não acreditava nessas coisas…

– Não acredito… mas que existem, existem….

– Não entendi…

– É que ela quase deu de cara com o Ricardo, papai…

– Ah… agora entendi… 

– Eu devia ter ficado onde estava, papai…     

– Filha, a gente não consegue fugir dos problemas para sempre…

– Foi o que eu disse para ela…

– Eu sei… eu sei… mas…

– Mas o que, filha?

– Sei lá, pai… juro que não sei…

– Sabem de uma coisa? Vamos jantar, que hoje sua mãe caprichou na cozinha…

E os três seguiram para a sala, onde Estela e Janete acabavam de arrumar os pratos e talheres. A pequena Selene brincava no chão, ao lado da mãe…  quando esta viu as tias entrarem na sala, começou a bater palminhas, e engatinhou em direção a elas. Agarrou-se na perna de Helena, e de pronto ganhou seu colo. Aninhou-se e ficou quietinha, com um dedinho na boca, olhando para a tia, e ria… aquele riso gostoso e inocente que as crianças ofertam para os adultos…  Helena começou a niná-la e a menina ficou quietinha, satisfeita por ter encontrado um lugar tão aconchegante e quentinho para ficar… Estela ficou observando o cuidado que sua irmã mais velha tinha para com sua filha… e sorriu, feliz. É, parece que o tempo em que ela implicava com as irmãs pertencia a um passado remoto… hoje ela se dava muito bem com as duas, e estava sempre pronta a ouvir qualquer conselho… ou crítica… que estas tivessem para dar-lhe. Finalmente sentaram-se à mesa e começaram sua refeição. Quer dizer, todos, menos Helena. A pequenina não aceitou que a tia se sentasse e começou a chorar, forçando-a a levantar-se…  Estela levantou-se de pronto…

– Helena, pode me dar a Selene…

– Que é isso, menina? Volte a comer. Depois você a pega, está bem?

Estela agradeceu e voltou à mesa, para degustar o jantar. Todos conversavam, colocando os assuntos em dia. Tanto Helena quanto Cecília evitavam tocar no assunto que as deixara transtornadas… Ricardo, o ex da Cecília. Por algum motivo que não conseguiam entender, a simples menção do nome deste causava arrepios em ambas. Tudo por conta dos pesadelos de Helena…              

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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