Jaimalice vive sonhando com sua festa de 15 anos. Acontece que seus pais, Jaime e Alice, se separaram há mais de cinco anos e o que já foi um lindo caso de amor se transformou em briga irreconciliável. Divergem em tudo, até mesmo sobre a festa da filha. Sobrou para a garota, que vive para lá e para cá, ora com a mãe e o padrasto, ora com o pai e sua segunda esposa.
A paixão do pai começou no colégio. Jaime, moreno magrelo, aparelho nos dentes, por causa do rosto recheado de acne, foi apelidado de Chokito, aquele chocolate com cobertura de amendoim. Arrastava um bonde por Alice, a Barbie, loirinha linda e musa dos garotões sarados. Ele escrevia poemas cafonas para Berbie, que eram solenemente ignorados, quando não alvos de zombaria.
Após a formatura eles seguiram diferentes caminhos. Jaime formou-se em Turismo, montou uma agência de viagens que cresceu rapidamente e ele enricou, mas vivia só. Alice fez Enfermagem no Interior. No final do curso, procurou Jaime, pediu desculpas pela forma como o tratou no colégio e o convidou para ser seu par no baile de formatura. Ele levitou de tanta felicidade. Depois do baile passaram a noite num motel e na semana seguinte Alice comunicou a gravidez. Não foi como ele queria, mas era tudo o que queria: a Barbie finalmente era sua!
Jaimalice nasceu prematura de sete meses, embora com três quilos e 49 centímetros de altura. Foi uma enorme alegria para ambas as famílias, até que a menina precisou passar por delicada cirurgia e então veio a súbita separação .
Havia duas versões. As tias maternas, afirmavam que o Jaime traiu Alice no quarto do hospital durante a cirurgia da filha, enquanto a mãe aguardava o fim do procedimento na sala de espera. Do lado paterno, Alice enganou Jaime, deu o “golpe da barriga” e continuou traindo. Ambas as versões têm certo fundo de verdade, mas por pressão dos avós de ambos os lados, ninguém comenta os detalhes para preservar a menina.
No dia seguinte à separação, Alice foi morar com o ex-professor na faculdade de Enfermagem, doutor Zinho, rico e próspero ginecologista. Jaime casou-se com a Ester Elisa, rival de Alice no colégio e na faculdade, que testemunhou a paixão não correspondida de Jaime e apenou-se do amigo esnobado pela Barbie.
Num fim de semana que passou com o pai, Jaimalice pediu ajuda para fazer um trabalho escolar com o tema Superação e Compensação. No domingo, acordou cedo, vasculhou as gavetas do escritório e encontrou uma foto dos pais tirada na noite do baile de formatura. No verso da foto, havia um poema: “A lei da compensação”:
Ela me iludiu, em compensação, não liguei.
Ela me esnobou, em compensação, ignorei.
Ela me ofendeu, em compensação, perdoei.
Ela me recusou, em compensação, persisti.
Ela se foi, em compensação, enriqueci.
Ela voltou, bela, arrependida, sofrida, em compensação, me aceitou!
- Pai, que lindo poema! Você era mesmo apaixonado pela mamãe.
- Sim, eu gostei dela desde que a conheci no colégio.
- Por que se separaram?
- Eu quis dar o troco e transei com a Ester. Vingancinha besta.
- Dar o troco? Vingar o quê?
Jaime ignorou o apelo dos avós e contou tudo. Quando a filha precisou ser operada, o hospital solicitou sangue e ele foi doador. Ester Elisa era enfermeira no Banco de Sangue e viu que o tipo sanguíneo do pai é incompatível com o da filha. Quem tem sangue tipo “AB” não pode gerar filhos tipo “O”. Como tira-teima, pediu teste de DNA de ambos. O resultado saiu no dia da cirurgia e confirmou o que todos já sabiam: Jaime não é o pai biológico de Jaimalice. Ester Elisa consolou Jaime e eles transaram no quarto do hospital. Terminada a cirurgia, Alice foi descansar e surpreendeu a antiga rival saindo do quarto, descabelada, suada e abotoando o jaleco. Gritou com Jaime, mas ele tinha o exame de DNA em mãos. Após a alta, mãe e filha foram para a casa do doutor Zinho, que também não era o pai da garota.
- Poxa, que confusão. Então quem é meu pai?
- Acho que nem sua mãe sabe. A Ester disse que Alice era a musa das festas do Diretório Acadêmico. Namorou metade dos colegas de classe e os rolos continuaram durante os encontros da turma. No ano passado houve um engavetamento na estrada depois do evento e vários colegas morreram. Talvez seu pai estivesse num daqueles carros.
- Nossa! Não sabia disso. Mas por que se casou com ela?
- Quando ela soube que estava grávida, ninguém quis assumir. Então ela me procurou, deu o golpe da barriga e eu caí direitinho.
- Pai, então você é corno?
- Sim. Em compensação você é adotada e talvez órfã. Nunca saberemos!
A história da origem de Jaimalice não é um conto de fadas, mas pelo menos ela entendeu o que é a Lei da Compensação e fez o dever de casa. Vida que segue!
Hilário!
Perfeitos os cacófatos: Ester Elisa e doutor Zinho.
Brilhante a sutileza do órfã, para definir outro adjetivo.
Obrigado amigo.
Drama para alguns, em compensação, tema para crônica criativa do Laerte!
Obrigado Ita.