Desenhando seu corpo enquanto tomava banho, Ana encontrava aqui e ali várias cicatrizes e hematomas que faziam sangrar sua alma com as mais diversas lembranças dos difíceis momentos que vivera ao lado de Leandro.
O amor mais tórrido já vivido por ela havia dado espaço para noites de tortura e puro dissabor em sua vida ao lado dele.
Mas, nem sempre foi assim: quando se conheceram, Leandro prometeu o mundo para ela, era amoroso, não tinha vícios, a presenteava sempre em qualquer ocasião e sempre estava presente.
Aos olhos de todos, ele era um marido fenomenal.
Falante e muito educado, ocultava o seu verdadeiro eu de quando estavam sozinhos em casa, principalmente durante a noite. A noite virou um pesadelo para Ana, pois era nesse turno que Leandro mostrava a sua verdadeira identidade e que ninguém, além dela, conhecia.
A insegurança e o ciúmes doentio habitavam o ser de Leandro que o transformava todas as noites.
Ela tentava encontrar respostas para aquela insegurança doentia, mas nunca encontrava. Do nada, ele chegava em casa e quando ela ia cumprimentá-lo recebia broncas por coisas mais fúteis possíveis: do porquê do tapete estar dobrado à comida que não estava pronta. Isso já era o suficiente para ele virar um monstro e espancá-la, mas sempre tomando o cuidado para que os vizinhos não ouvissem os gritos dela.
Ela tentava ir embora, tentou por diversas vezes fugir, mas sempre era contida por ele por meio de agressões e ameaças que a faziam permanecer ali, refém de seu casamento.
As marcas deixadas por ele ia além da sua pele. Doía em sua alma e ela vivia num purgatório vagando em busca do seu eu novamente, sem esperança de encontrar uma saída.
Até que um dia ela colocou um ansiolítico na bebida dele fazendo-o adormecer e ela pode ir em busca de ajuda, pois já não aguentava mais tanta tortura física quanto emocional.
Ao chegar no abrigo para mulheres, se sentiu protegida e livre daquele carrasco e pode pensar num futuro, mesmo que distante.
Os remédios de tarja preta estavam em todos os cantos do alojamento, inclusive no box do banheiro, fazendo-a lembrar de que tinha que viver sob efeitos de remédios para manter o equilíbrio emocional.
Por um momento se revoltou por pensar nas vezes em que as pessoas faziam vista grossa para os relatos dos reais motivos de querer se separar de Leandro. Muitos desconversavam quando Ana ensaiava um pedido de socorro, como se dissessem “em briga de marido e mulher, não se mete a colher” e ela se sentia sozinha, sem rumo. A indiferença das pessoas próximas a fizeram concluir que a ajuda que ela tanto precisava só seria possível por meio de abrigos voltados para mulheres que sofrem violência doméstica e assim ela fez: procurou ajuda de desconhecidos para continuar viva.
Ao fechar o chuveiro, pensou no quanto tinha que trabalhar sua autoestima e empoderamento novamente, o que seria uma tarefa árdua, mas estava disposta a retirar de si todo o rastro deixado em seu corpo e alma por aquele monstro que afirmava todos os dias que a amava e que ela se viu co-dependente por tantos anos.
Autora:
Patricia Lopes dos Santos
Ótima crônica… marcas e marcas… umas passageiras, outras para toda a vida..
Obrigada, Paula! Muito feliz por vc ter gostado da crônica. De fato, são marcas muito mais profundas do que imaginamos.