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quinta-feira, 5 de setembro de 2024

A taça de cristal

Capítulo Vinte e Três

Helena estava preocupada, mas não sabia exatamente com o quê. Desde seu sonho em que encontrara seu amigo na campina, na noite passada, que a sensação de medo se instalara em sua alma. Mas medo de quê? Ela não conseguia compreender. Era a primeira vez, desde que Oscar se fora, que ela ficava com essa sensação após sonhar com ele. Das outras vezes que ele lhe aparecera em sonhos, uma paz indescritível tomava conta de sua alma, diferente de agora. Era como se, desta vez, o sonho fosse de mau agouro, prenuncio de acontecimentos ruins… bem, se acontecesse mais coisas ruins à sua família do que já estava acontecendo… Cecília se separando de seu marido, Estela grávida… o que mais faltava acontecer?

O ônibus finalmente apareceu no início da rua. Ela fez sinal, ele parou, ela embarcou. Pagou a passagem e foi para o fundo do ônibus, próxima da porta de desembarque. Sentou-se e ficou pensando na última vez que ela e suas irmãs se reuniram…. As três começaram a conversar e de repente, do nada, a discussão começou. Por mais que tentasse se lembrar do motivo da briga, Helena não conseguia. Até onde ela conseguia se lembrar, nada de diferente foi dito ou feito por nenhuma delas. Mas o fato é que sem mais nem menos tudo virou uma bagunça. Só não chegaram a sair no tapa porque seus pais, assim que ouviram as vozes exaltadas na sala, trataram de separar as irmãs e despachar cada uma para um canto. Quando finalmente os ânimos se acalmaram, Estela subiu para seu quarto e não saiu mais de lá. Cecília ficou mais um pouco, conversando com seus pais e Helena, e então saiu. Sobrou apenas Helena. Seus pais queriam entender o que havia acontecido, mas ela não conseguia explicar, pelo simples fato de que não sabia realmente qual fora a causa da discussão. Explodiu. Aconteceu…

Finalmente chegou em seu ponto. Desceu. Caminhou em direção à sua casa. Quanto mais se aproximava de seu lar, mais a sensação de medo tomava conta de seu ser. E realmente não havia motivo para isso. A rua estava movimentada, cheia de pessoas conversando, rindo, ouvindo música. A noite estava bem clara, lua cheia, iluminando quase tanto quanto o sol… sem contar as luzes dos postes. Mas aquela sensação de incômodo não a abandonava. Se tivesse algum outro lugar para ir, não pensaria duas vezes… chegou ao portão, entrou e se dirigiu a porta da sala. Agora estava suando frio, tal o pavor que sentia. Mas pavor… medo de que? Não havia nada que justificasse essa sensação estranha… girou a chave, destrancando a fechadura. Abriu a porta, entrou e fechou-a em seguida. Então uma sensação de alívio tomou conta de seu ser. Sentou-se no sofá e ficou ali parada por algum tempo, imersa em seus pensamentos. Já não havia nenhuma sensação de desconforto como sentira a alguns minutos atrás. Só aquela paz que toma conta de nossa alma, quando nos sentimos realmente seguros…

Mario e Janete estavam como dois tigres enjaulados, andando de um lado para o outro. Não falavam nada, apenas caminhavam em círculos, um seguindo o outro. Em determinado momento, pararam no meio da sala. Mário se voltou para sua esposa. Os dois se olharam, então foram se sentar…

– Coisa mais sem graça…

– O que?

– Nós dois… fazendo roda no meio da sala…parece aqueles desenhos do Tio Patinhas…

– Concordo, Jane… foi meio estranho, mesmo. Bem, a gente estava tentando pensar, não é mesmo?

– Sim, mas… não dava pra pensar parados?

– Sei lá… eu comecei a andar e você me seguiu…eu não mandei, você foi porque quis…

– Tudo bem… mas você concorda que foi meio estranho…

– Sim, sem dúvida. Mas pelo menos sei o que temos que fazer.

– Que seria?!…

– Visitar os pais do Jairo…

– A esta hora? Você está louco?

– Porque?

– Mario, já são quase onze da noite… com certeza, tanto a Izabel quanto o Geremias já devem estar indo para a cama, nessa hora…

– É, acho que você está certa…

– Claro que estou… você gostaria que alguém resolvesse vir nos fazer uma visita nessa hora da noite?

– Não, claro que não…

– Não faça aos outros aquilo que não deseja para ti…

– Tudo bem… mas amanhã, durante o dia, a gente vai lá…

– Levamos a Estela junto?

– Do jeito que ela anda ultimamente, duvido que queira nos acompanhar. Seria bom se ela viesse, mas acho que não vai querer…

– É… essa menina anda muito arredia, ultimamente…

E assim, os dois foram dormir, pois no dia seguinte teriam muitas coisas para resolver, e visitar a família de seu genro era uma delas…

 No dia seguinte, após o expediente de trabalho, Mario foi buscar sua esposa para fazerem a visita que haviam programado. Só tinham ido na casa do rapaz uma vez, e fazia já muito tempo. Portanto, a visita era mais do que devida. Se bem que os pais do rapaz nunca tinham ido em sua casa. Não por falta de convite. Sempre que podia, Maria falava para o rapaz levar seus pais e sua irmã juntos com ele para visitá-los. Mas ele nunca os levou. Bem, eles fariam essa visita para Izabel e Geremias. Só esperavam ser bem recebidos…

Izabel os recebeu. Começaram a conversar sobre vários assuntos, fazendo uma grande volta para chegarem ao que realmente os havia levado àquela visita. Em um dado momento, Mario pergunta por Geremias, pois até então ainda não o havia visto.  Izabel explica que o marido sofreu um acidente no trabalho e está acamado, sem condições de se movimentar. Mario e Janete ficam visivelmente constrangidos, pois não sabiam do ocorrido. Izabel os convida a ver seu esposo, que está no quarto.

– Cara, que folga é essa? Vê se agora é hora de dormir…

Geremias tenta um simulacro de riso, mas a dor não o deixa fazê-lo.

– Rapaz, pensei que ia dessa para a melhor…

– O que aconteceu?

– Eu estava consertando um telhado… escorreguei e caí…

– Não estava usando um cinto de segurança?

– E ia prender ele aonde? Cara, eu estava em cima de um telhado!

– Foi grave?

– Um pouco… depois que me recuperar, vou precisar de fisioterapia… por sorte, não afetou a coluna!

– É… foi sorte, mesmo. Mas está no seguro…

– Sim, graças ao Jairo, que me infernizou até que eu começasse a pagar o INSS. Se não fosse isso, eu estaria bem pior… ainda bem que ele assumiu as despesas da casa, por enquanto… a ajuda do governo mal dá para comprar meus remédios…

Mario ficou pensativo. Falava que sua filha estava grávida? Achou melhor ficar quieto no momento. A família do rapaz já tinha problemas suficientes.

– E sua filha, como está?

– Daqui a pouco, chega da escola. Ela quer trabalhar para ajudar nas despesas, mas só tem quatorze anos…

– É, com essa idade, só como Pequeno Aprendiz… e a ajuda de custo não é muito, não…

– Foi o que o Jairo falou… ele disse pra ela se concentrar nos estudos e deixar tudo com ele por enquanto…aquele garoto é um menino de ouro, seu Mario…

– Geremias… eu sei que o momento não é o melhor… você está acamado… mas você será avô logo, logo…

– Como….?!

– Do jeito tradicional… seu filho e minha filha resolveram adiantar o expediente…

Mario havia decidido não falar sobre a gravidez de sua filha, porém as palavras foram saindo de sua boca, sem que tivesse domínio sobre elas. Geremias ficou pálido com a revelação de Mario.

– Meu Deus… mas… como… e justo agora…

– Calma, rapaz… não é o fim do mundo. Eles não foram os primeiros nem serão os últimos a fazer isso. O que realmente importa é que a criança nasça forte e saudável, não acha?

– Sim, mas… e agora?…

– Agora? Como assim?

– O que vamos fazer?

– Como assim, o que vamos fazer? A gente, nada. A criança vai nascer. Isso é tudo o que importa…

– A Estela… ela…?

– Bom, ela sente falta do namorado. Vive enfiada no quarto, chorando as pitangas. Por isso é que viemos aqui… saber porque ele não tem mais visitado minha filha…

– É que, desde que me acidentei, o Jairo tem cumprido uma carga de trabalho dobrada… mas eu não sabia… nem a Izabel… ele não nos falou nada!

– Sem problema. A única coisa que pedimos é que ele dê uma passadinha lá em casa, para visitar a Estela… somente isso.

Os dois ficaram em silêncio, cada qual com seus pensamentos. Geremias ficou se perguntando porque seu filho não contou que a namorada estava grávida. Caramba, que problema. E justo agora ele tinha que ter se acidentado? Precisava se recuperar logo, para que Jairo pudesse cuidar de sua vida mais tranquilo. Mas o médico havia dito que ele ficaria, no mínimo uns quatro meses de cama… enquanto os dois estavam no quarto, Izabel e Janete conversavam na cozinha. E Izabel também não ficou nada feliz com a notícia… não com a gravidez da nora, em si… mas com o momento, que não era o mais propício para um acontecimento dessa dimensão… Começou a se preocupar. Com o marido, com o filho, com a nora grávida, com a criança que chegaria dali a alguns meses… e sua pressão foi subindo…

Tania Miranda
Tania Miranda
Trabalho na Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo e minha função é "Agente de Organização Escolar", embora no momento esteja emprestada para o TRE-SP, onde exerço a função de "Auxiliar Cartorário". Adoro escrever, e no momento (maio de 2023) estou publicando meu primeiro livro pela Editora Versiprosa...

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