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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

A Banha do Peixe Elétrico

Ele surgia de repente, assim “do nada”, no calçadão da cidade. Trazia toda uma parafernália: uma haste de aço que sustentava um aro de bicicleta com várias facas, uma mão de borracha, um jornal, um saco de pano que parecia um coador de café e uma caixa de madeira com tampa. Com uma garrafa pet cheia de água, controlando a quantidade que saía com o dedão, demarcava um círculo delimitando até onde as pessoas que paravam para assistir, podiam se aproximar.

Todo mundo que passava por ali parava, nem que fosse só para ver o que estava chamando a atenção de tanta gente, mas a maioria ficava por mais de cinco minutos, alguns até se atrasavam para o trabalho, para um compromisso ou para a aula porque ele anunciava que iria pular pelo aro com as facas arriscando sua vida ou que iria fazer uma mágica, mas antes contava umas histórias da época que era criança e a família passava fome ou de como um mágico famoso tinha criado aquele truque que ele iria mostrar.

Um auxiliar ia passando por nós com um chapéu nas mãos: “- Quem puder contribuir, pode dar qualquer quantia, o que o seu coração mandar, porque eu tenho certeza de que Deus vai te dar em dobro. Quem não puder dar nada, não tem problema, não, pode continuar assistindo do mesmo jeito”. Quando ele terminava de passar por todos os espectadores, pegava a garrafa pet e novamente fazia o círculo que separava o espaço “deles” do “nosso”. Feito isto, ia até a caixa de madeira, levantava a tampa, tirava lá de dentro uma sacola cheia de pequenas latinhas metálicas e abaixava novamente a tampa. Novamente ele vinha passando por nós enquanto o outro anunciava: “- Nessa pequena latinha está um dos remédios mais potentes que existem lá no Norte, é a Banha do Peixe Elétrico. Ela cura dor de barriga, dor de cabeça, dor nas juntas, é bom pra bronquite, asma, tira inflamação do ouvido, trata unha encravada entre outras, é só passar no local da dor ou ferver na água colocar numa bacia e fazer a inalação com uma toalha cobrindo a cabeça”. O auxiliar passava um pouco nas palmas das nossas mãos e mandava cheirar do outro lado para sentir o cheiro porque ela atravessava a pele, a gente cheirava e sentia um cheiro parecido com o do Vick VapoRub, que, na verdade, era tão forte que, mesmo estando na palma da mão, dava para ser sentido até de uma certa distância. Era um “remédio” bem caro.

Finalmente, depois de tanta enrolação, ele havia decidido fazer uma mágica: “- Mãozinha! Anda um pouquinho pra mim!”, bateu palmas e aquela mão de borracha que estava no chão se movimentou para a frente. Em seguida, pegou o jornal, entornou um pouco de água no meio, o folheou e depois o virou devolvendo a água para o copo. Ao terminar, tirou o relógio do braço, enfiou no “coador de café”, pôs no chão e bateu várias vezes com um martelo, depois chacoalhou as peças soltas do relógio no chão, as pegou, pôs de volta no saco de pano falou as palavras mágicas: “- Aite naite fraite, naite fraite de fisolofaite” e eis que lá estava o relógio inteirinho, exatamente como era antes.

Para encerrar, ele disse que faria o número mais perigoso de todos, aquele que poucos tinham coragem para realizar, saltar pelo aro com as facas extremamente afiadas e demonstrou passando uma folha de caderno por uma delas, que a dividiu em duas, e jogando um tomate, que se dividiu em duas metades, que caíram do outro lado. Em seguida, tirou de dentro da caixa de madeira um punhado de pequenos saquinhos de pano branco, cada um costurado com uma linha de cor diferente, os entregou na mão do assistente, ficando com apenas um, que levantou para que todos víssemos enquanto dizia: “- Isto é um patuá, um amuleto pra você levar no bolso, dentro da carteira ou na bolsa pra te proteger e dar sorte. Eu queria distribuir um pra cada um de vocês, mas infelizmente hoje eu tenho poucos aqui e só vou poder dar como agradecimento pra quem der mais de dez reais pra ajudar a gente”. Dito isso, se dirigiu ao aro e saltou quase que em câmera lenta e sem esbarrar em nenhuma das facas. Ele realmente era bom, não era só enrolação. Caiu do outro lado dando uma cambalhota e já começou a recolher suas coisas e a agradecer a todo mundo que ficou para assistir o show. Num instante ele já tinha sumido, desaparecia por meses ou anos e, quando menos esperávamos, aparecia novamente “do nada”.

Cheguei atrasado de novo.

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