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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

O “Professor”

Acho que o “Professor” nunca havia dado aula, simplesmente se autodenominava assim.

Ele apareceu um dia na cantina da faculdade e se tornou frequentador. Ficava o dia quase todo por lá, tomava café, almoçava e jantava. Não tinha nenhuma educação para comer, às vezes uma parte da comida que havia acabado de pôr na boca caía de volta no prato e na mesa, enquanto mastigava com a boca aberta e com aquele roach que subia e descia. Já conversei com ele por um bom tempo observando um fiapo de couve que estava pendurado no canto de sua boca, até cair e ficar pendurado no bolso da sua camisa. Tinha uma conversa envolvente, falava sobre tudo quanto é tipo de assunto e, embora emitisse uns assobios por causa do roach mal encaixado, conseguia prender a minha atenção. Andava mancando e levava na mão um livro escrito em alemão com um marcador de página que estava sempre na mesma posição. Gostava dos Beatles também.

Um grupo considerável de pessoas, às quais chamava de “alunos”, parava para ouvi-lo. Enquanto falava, ia tomando água na pequenina tampa da garrafinha de plástico, entre uma tragada e outra num cigarro que sustentava uma torre de cinzas que nunca caía. Quando chegava no filtro, usava o finalzinho da brasa para acender o próximo cigarro. Não me lembro de tê-lo visto sem um cigarro na mão. Não bebia refrigerantes, sucos, nem bebidas alcoólicas, apenas água.

De vez em quando, surgia com um esboço de alguma “invenção” sua rabiscado entre manchas de sujeira num pedaço de papel amassado e esfarrapado. Certo dia trouxe um pequeno instrumento, parecido com um compasso, que serviria para medir qualquer coisa, mediria comprimento, largura, espessura, profundidade, altura etc. Nunca explicou como funcionava. Tudo era misterioso, como se apenas ele dominasse o funcionamento daquelas coisas e o conhecimento sobre os assuntos dos quais falava. Era um “professor” que não ensinava, apenas expunha.

Da última vez que conversamos, o “Professor” prometeu levar, na semana seguinte, um disco raríssimo dos Beatles que havia conseguido comprar após anos e mais anos procurando em todas as lojas, inclusive em outros países. O disco se chamaria “Cucumber Castle”. Ele nunca mais voltou à cantina, desapareceu no mundo da mesma forma que havia aparecido.

Curioso sobre o tal disco raro, fui fazer uma pesquisa e descobri que, na verdade, ele não era nada raro, nem dos Beatles. Era dos Bee Gees e poderia ser comprado em qualquer loja de discos.

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