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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Indecisão, dúvida e outros problemas

Quem nunca teve uma única dúvida na vida? Quem nunca se sentiu inseguro ao ter de tomar decisões, daquelas que depois não dará mais tempo para corrigir ou se arrepender? Quem nunca pensou em voltar no tempo e mudar decisões tomadas?

Conheço gente que vive falando sozinha, pensa muito antes de decidir, estuda, analisa, consulta os outros, pede opiniões, atrasa a vida de todos e mesmo assim, depois de finalmente decidir, fica matutando se fez a escolha certa ou se devia ter adotado outra opção. 

No livro O Monge e o Executivo, James Hunter diz que só existem duas certezas na vida: uma é a morte; a outra é a decisão. Todos tomamos decisões na vida! Claro que Hunter se esqueceu da terceira certeza absoluta: para uma medida de arroz, duas de água. Culinária à parte, quem diz que nunca tomará uma decisão, acabou de tomar uma: decidiu nunca decidir!

As dúvidas começam na infância, atravessam a adolescência, a fase adulta e continuam na velhice: O que sou? O que serei? De onde vim? Para onde vou? Coca ou Guaraná? Par ou Ímpar? Débito ou Crédito? Drive-in ou Motel? Bife ou frango? Loira ou Morena? Isso sem falar na grande questão que aflige os jovens atualmente: você quer ser menino ou menina?

As dúvidas mais cruéis acontecem entre o fim da adolescência e o início da vida adulta, se bem que hoje em dia a adolescência vai até mais ou menos 35 anos e às vezes a fase adulta nunca chega. É o caso de Olegário Gaspar, bem apessoado, educado, culto, aos 32 anos ainda não terminou a faculdade, não por preguiça ou falta de dedicação, mas por pura indecisão. Iniciou e abandonou vários cursos por não ter certeza de que fez a escolha certa. Começou medicina, direito, geologia, antropologia, língua e literatura etrusca, física, engenharia, artes cênicas, sem falar nos cursos em que foi aprovado e nem se matriculou. Dinheiro não é problema. Os pais deixaram vários imóveis alugados e o irmão caçula cuida da administração. Ele recebe metade do aluguel na conta corrente, mas pouco gasta porque nunca decide o que comprar ou no que gastar. Em seu mundo ideal não deveriam existir opções ou decisões a serem tomadas. É cada um com seu cada qual e nada mais.

Abigail Quitéria, prima em segundo grau, sempre foi apaixonada por Olegário. Como ele nunca se decidiu, partiu dela a iniciativa do namoro. Após altas doses de  paciência, ela assumiu o controle e as decisões do casal, com as bençãos do irmão. Se dependesse dele, nunca iriam ao cinema (Qual filme? Qual cinema?), nunca viajariam (Onde? Quando?) e nunca iriam para a cama (Na minha casa ou na sua?). Na derradeira tentativa de ajuda-lo a se decidir na vida, Abigail mudou-se para o apartamento de Olegário. Fez com que tirasse carteira de habilitação (Nunca tirou porque jamais decidiu qual a categoria), matriculou-o num curso de Planejamento e Tomada de Decisão (Um instrutor se demitiu e outro precisou de acompanhamento psicológico). Inscreveu-o no I. A. – Indecisos Anônimos, grupo que ainda não se reuniu porque é difícil decidir data e horário dos encontros.

A prima eliminou dezenas de alternativas na vida do namorado para que ele não precise decidir. Uma marca de sabonete e shampoo, um único tipo de cereal, um único canal de TV, calçados e roupas da mesma cor e modelo etc. Houve certo progresso e o tempo para se vestir reduziu-se a apenas 30 minutos, pois certas dúvidas persistiram: Melhor abotoar as camisas de cima para baixo ou de baixo para cima? Amarrar primeiro o sapato direito ou o esquerdo? Abigail trocou suas camisas por camisetas sem botão, os sapatos por mocassim e pôs fim à essas decisões.

Um dia ela se aborreceu e voltou para sua casa. Não aguentou a demora para decidir o melhor lado da cama para dormir, o que colocar primeiro, café ou leite e uma série de outras dúvidas que teimavam em persistir. Sua vida estava empacando e somente um tratamento de choque poderia ajudar o namorado.

Olegário teve dúvida se ela foi embora de vez ou se foi apenas uma saidinha. O longo tempo sem vê-la e a conversa franca com o irmão fizeram sua ficha cair e concluir que talvez goste mesmo dela e talvez devesse tomar uma decisão. O irmão quis ajudar e sugeriu fazer uma lista de prós e contras, imaginar os possíveis cenários, bolar um roteiro e então decidir-se. Olegário listou tudo e começou a ler em voz alta:

Mesmo que eu ainda goste dela, talvez ela não goste mais de mim.

Mesmo que ela ainda goste de mim, talvez eu não deva telefonar.

Mesmo que eu telefone, talvez ela não esteja.

Mesmo que esteja, talvez ela não atenda.

Mesmo que atenda, talvez ela desligue.

Mesmo que não desligue, talvez ela não queira falar comigo.

Mesmo que fale, talvez eu não a convide para sair.

Mesmo que a convide, talvez ela não aceite.

Mesmo que ela não aceite, talvez eu não insista.

Mesmo que eu insista, talvez ela se aborreça.

Mesmo que não se aborreça, talvez ela…

Quer saber? Ela está é com muita frescura. Está me dando nos nervos. Ô mulher indecisa! Melhor tomar chope com os amigos. Ou não. Nem sei se tenho amigos!

Olegário olhou para o lado para ouvir o irmão, mas ele já tinha ido embora. Conhece alguém assim, indeciso, cheio de dúvidas? Alguém que sofre toda vez que tem de tomar uma decisão? Vai e volta. Vai e volta. Bem, eu conheço, quero dizer, acho que sim. Ou talvez não. Sei lá. Agora bateu uma dúvida cruel.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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